sexta-feira, 15 de julho de 2011

Somos um só (not!)

Uma coisa que me incomoda sobre a teoria dos relacionamentos é a ideia de que duas pessoas se transformam em uma, algo parecido como uma entidade indivisível. O mito da alma gêmea de Aristófanes parece muito romântico e fofo, mas penso que a ideia vem sendo apropriada de forma equivocada. Na busca da tal metade perdida, criamos uma série de artifícios para ajustar o outro à nossa fantasia de par ideal. Queremos saber tudo do outro, não existem segredos ou limites, não controlamos apenas os passos da nossa metade, queremos saber até dos seus pensamentos (quem nunca ouviu a frase amor, tá pensando em que agora?). Conhecemos tanto a pessoa com a qual convivemos que em poucos anos ela se torna sem mistérios, sem surpresas e sem...graça! Claro que a paixão acaba, quem pode resistir a tanto conhecimento mútuo? Eu já vivi as duas situações: um casamento com convivência diária intensa (vivia junto e trabalhava junto no mesmo lugar) e o meu casamento com o Sr. T que sempre me surpreendia contando algo inusitado sobre a sua história. No primeiro caso, eu não tinha qualquer sensação de que tinha encontrado a minha alma gêmea e no caso do Sr. T, eu tinha a certeza absoluta de que ele era a minha metade perdida. Detalhe maior ainda: apesar de nossa convivência intensa durante oitos anos, de todas as nossas conversas pela madrugada e diálogos incessantes, ainda assim, no velório dele foram ditas várias coisas que eu não sabia. Nós dois tínhamos o nosso espaço de compartilhamento e de individualidade muito bem negociado e, mesmo assim, o meu maior desafio depois que ele morreu foi saber quem eu era. Eu passei seis meses perdida, não existia mais o ser uno e eu tentava me lembrar das coisas que eu gostava, dos amigos que tinha, dos meus projetos individuais... Esse é o grande risco que corremos quando nos transformamos no tal ser uno: biologicamente continuaremos sendo dois e quando o outro faltar por qualquer motivo, você se torna um nada por muito tempo. E podem acreditar, ser um nada é uma sensação absolutamente desesperadora que ninguém deveria experimentar. A insanidade está ali, bem ao seu lado, esperando apenas um descuido para se apoderar de você e controlar a sua vida. É preciso muita reconstrução, reavaliação e um penoso retorno para seguir vivendo.

2 comentários:

  1. Uma amiga sempre me dizia: eu não quero encontrar a minha metade não... eu sou inteira e quero encontrar alguém que me enriqueça e me faça alguém melhor.

    Quem realmente perde um amor, se torna um nada(experiência própria e de muitos seres viventes).. é desesperador e como vc disse ninguém deveria experimentar.

    A insanidade está ali, e pensando bem quem disse que o considerado "normal" não é insano? O instinto de preservação nos dá após algum tempo a possibilidade de reconstruir e caminhar com saudade e aprendizado do que somos. Inteiros.

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  2. Realmente Ana, O mito da alma gêmea de Aristófanes parece perfeito aos olhos da matéria e o é em sua essência transmitida, no entanto,para quem se apropria de outros leituras,não concebe essa ideia fechada e vale ressaltar equivocada da alma Gêmea, quando não se procura, jura que encontrou. Essa é uma das falhas do ser humano quando muito apegado e acostumado com um relacionamento, vive-se em um mundo "quase perfeito". Acredito apenas em um palco real da convivência: É necessário viver intensamente o hoje, pois o amanhã de repente não chega. Se a vida é feita de versos, prosas, poemas, etc, que maravilha..que vivamos! Se não dá pra ser desta forma que pelo menos tenhamos o bom senso de reconhecer:"a fantasia ou o faz de conta acabou". Ainda acredito que a sensatez deva existir entre casais que mesmo que a paixão acabe e acaba mesmo, tendo em vista que é explosão passageira, fogo que queima e esquenta a loucura insana do ser(individual); acredito ainda, na força sublime que tem o amor, que vale lembrar: só nos damos conta dele quando perdemos de alguma forma dentro de nós.A este sentimento verdadeiro não existe posse,é sadio,não se espera nada em troca,meu eu em você é apenas fase momentânea do prazer, da conquista diária, mas não em sua essência. Afinal de contas somos seres tão individuais e se não nos policiarmos para viver quem somos, acabamos substituindo o outro, como se rouba-lhe a identidade fosse algo inteiramente normal. A essa denominação(alma gêmea) que os amantes atuais(em sua maioria) incitam eu só consigo enxergar como obsessão carnal passageira. AMO SER LIVRE em minha individualidade e se tentassem tirar isso de mim perderiam um grande tempo, pois é intrínseco.
    Bjs, adorei!

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