quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Entretanto, amamos o deserto

O meu livro preferido de Antoine de Saint-Exupéry (o autor do clássico O pequeno príncipe) é Terra dos homens. Assim como o autor - que foi piloto de correspondência na década de 1920 - eu também amo o deserto. Quando eu estava na universidade, fiz um trabalho lindo para a disciplina de Biogeografia sobre os desertos quentes e gelados do mundo. O deserto é um mistério porque nas condições mais improváveis, a vida surge de forma surpreendente e desafia os visitantes de um só dia. Enfrentar o deserto é como enfrentar um coração árido ou um amor pleno, é preciso ter coragem... "Você compreende, sem alimento, depois de três dias de marcha, meu coração não devia estar batendo com muita força... Pois em certo momento, quando eu progredia ao longo de uma encosta vertical, cavando buracos para enfiar as mãos, o coração me caiu em pane... Hesitou, deu uma batida... Uma batida estranha...Senti que se ele hesitasse um segundo mais seria o fim. Fiquei imóvel, escutando...Nunca - está ouvindo? - nunca, num avião, me senti tão preso ao ruído do motor como, naquele momento, às batidas do meu próprio coração. E eu lhe dizia: Vamos, força! Veja se bate mais... garanto-lhe que é um coração de boa qualidade. Hesitava, mas depois recomeçava, sempre... Se você soubesse como tive orgulho do meu coração!" Foi exatamente assim que eu me senti no último ano, no meio da aridez emocional da minha vida, eu pedia ao meu coração que continuasse a bater com força, que mantivesse o ritmo e não doesse tanto ao ponto de me deixar sem ar como sempre acontecia. Hoje, eu posso dizer tranquila: eu tenho tanto orgulho do meu coração!

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A última ceia

O filme "A última ceia" é um dos filmes mais pesados que vi nos últimos anos que tratam a dor e a necessidade de continuar vivendo de forma crua e até mesmo cruel. A cena de sexo entre os protagonistas estabelece uma relação entre o sofrimento profundo do ser humano e o prazer, ao mesmo tempo cruel e libertador. Assim como o filme "Despedida em Las Vegas", os limites do ser humano, a sua desesperança e total opressão não suprimem o desejo de continuar vivendo e amando. Eu tenho uma história bem bonitinha sobre isso, do Sr. L e da Sra. B que é bastante emblemática nesse contexto. Apesar de se conhecerem há alguns anos, o seu encontro romântico aconteceu no cenário mais improvável: ele doente preparando-se para o pior e ela superando uma tragédia pessoal em sua vida. No contexto extremo das suas respectivas histórias, surgiu um sentimento maior que eles decidiram acreditar que era amor. Sim, acreditar no amor é também uma questão de escolha. Ele percebeu primeiro que ela o que estava acontecendo. Colocou um ponto final no casamento capenga de mais de vinte anos (!) - pausa para uma reflexão: como alguém fica tanto tempo em um relacionamento ruim? (não me perguntem, eu só posso relatar a história, mas não tenho mais detalhes) - e decidiu que ela era o seu amor. Ela foi mais arredia, desconfiada dos homens desde muito tempo atrás, custou a assimilar (e reconhecer) o que estava sentindo. Mas ele não se importava, ria das hesitações dela e acompanhava o seu medo de perto. Ela também não deu refresco e obrigou o coitado a discutir a relação intermináveis vezes, por horas a fio. E assim seguiram, "destornando" um ao outro... Na caminhada, fizeram uma viagem para fugir do mundo, se isolando de tudo e de todos com o intuito de descobrir o que realmente sentiam um pelo outro. Passaram alguns dias juntos e foi tudo tão perfeito que eles voltaram casados (metaforicamente, mas pelo menos com a intenção de viver debaixo do mesmo teto!). Os dois não são jovens, o futuro é incerto, mas a certeza deles sobre o que sentem é enorme. Ela diz que tudo o que quer para o futuro é estar com ele sem planos ou projetos e ele afirma que tudo o que quer é compartilhar as pequenas coisas do cotidiano. Quando ouço histórias como essa, penso nas hesitações mesquinhas e os medos que vivi a vida inteira. Daí, quero apenas um pouco da coragem dos dois para acreditar que todas as histórias merecem (e devem) ser vividas!

domingo, 16 de outubro de 2011

A queda de Alice

Eu gosto muito do livro "Alice no país das maravilhas" e as inúmeras possibilidades de leitura que podemos extrair do texto. A queda de Alice na toca do coelho (motivada por sua curiosidade) é um excelente paralelo para a necessidade do autoconhecimento. Outro momento interessante é a pergunta constante da lagarta: quem é você? Não podemos compreender o outro - mesmo que a nossa curiosidade seja aguçada - sem ter uma visão completa de nós mesmos. Parece óbvio, mas eu não costumo ouvir as pessoas se queixarem dos seus conflitos internos diante de um relacionamento, pelo contrário! Eu costumo ouvir "ele/ela não me compreende, ele/ela me deixa louca, ele/ela isso ou aquilo"... Resumindo: a culpa de toda infelicidade e desconforto está no outro. Como muitos outros estranhamentos dos meus leitores, preciso dizer que eu não sou assim. O primeiro impacto que sinto quando me envolvo com alguém é a necessidade que tenho de perscrutar a minha alma, entender o meu passado e como ele reflete nos meus sentimentos hoje. Eu faço isso com tamanha profundidade que o processo torna-se extremamente doloroso para mim e para o outro. Durante muito tempo eu despejei no Sr. T uma carga de culpa que nada tinha a ver com ele. Eram apenas os meus fantasmas me assombrando e eu custei a me livrar deles. Hoje tenho outros fantasmas, mas estou consciente da presença deles. Estou convencida de que amar alguém significa a oportunidade de se conhecer melhor. Apesar de ser positivo esse movimento de autoconhecimento, existe um período intenso no qual eu vou me contorcendo diante das inúmeras constatações das mágoas passadas, dos desenganos e imprudências que já vivi. Preciso expiar isso tudo primeiro, me livrar das dores antigas para enxergar o outro inteiro e me sentir inteira também. Com o Sr. T esse momento foi meio atropelado pela urgência e certeza dele de que o nosso amor era indestrutível. Não era, a falta de finalização do meu ciclo de ponderação e escolha, quase nos destruiu. Esperar o tempo do outro, a sua reconstrução e reacomodação pode ser muito bom para quem quer viver uma relação completa. Aos que se contentam com os rituais impostos em nossa sociedade, uma festa de casamento com jantar e trezentos convidados pode ser suficiente. Aos que precisam transcender para viver todas as possibilidades, um lembrete: é preciso cortar a carne e a alma!

sábado, 8 de outubro de 2011

Não sabemos mesmo de nada...

Quando eu conheci o Sr. T a sensação que eu tive foi de que dois mundos colidiram. Nós éramos tão diferentes que foi preciso um período de transição entre nós, no qual cada um descrevia o seu mundo para o outro. Esse momento foi uma espécie de lua de mel e nos retiramos do mundo para saber se o nosso casamento era possível. O lugar que escolhemos para fazer uma longa e dolorosa DR (DR=discutir a relação) de uma semana foi a praia paradisíaca de Carapibus. Eu tinha muitas dúvidas, sabia que nós dois tínhamos tudo para dar errado, mas resolvi arriscar. Afinal, não dizem que os opostos se atraem? A minha decisão foi fundamentada em dois fatores: eu nunca tinha sentido algo parecido por alguém e nunca tinha me arriscado antes. Apesar de intensa e atirada ao mundo, eu sempre evitei os relacionamentos que fugiam do meu controle com a maior facilidade. A racionalidade permeava as minhas decisões até o dia que o Sr. T entrou na minha vida. Agora eu me vejo diante da perspectiva de me relacionar com alguém parecido comigo, com o mesmo histórico, amigos em comum, lugares, memórias etc. Qual é o padrão afinal para fazer um relacionamento dar certo? Semelhança ou diferença? Hoje eu não considero mais a possibilidade de não me arriscar e consigo perceber com mais clareza e transparência os meus sentimentos e desejos. Mesmo assim, continuo alternando entre a crença no amor verdadeiro (porque o meu lado fada vestida com tecidos vaporosos acredita que o amor é bom, salva e cura) e o meu ceticismo diante das verdadeiras motivações que movem as pessoas.

sábado, 1 de outubro de 2011

Amar é...

Semana passada eu descobri que será relançado o álbum de figurinhas que fez sucesso na década de 80, o fofíssimo Amar é... Como não adorar o casalzinho pelado que resumia as bobagens do cotidiano de um casal apaixonado? Rever as figurinhas me fez pensar sobre o nosso (confuso) conceito de amor. No nossa sociedade, conhecemos uma pessoa interessante, nos sentimos atraídos, namoramos, casamos e - supostamente - vivemos felizes para sempre. Infelizmente, esse modelo linear não está dando mais conta do recado para explicar toda a complexidade das diferentes formas de amar. Podemos amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Existe apenas uma única metade para cada um de nós? Se nunca a encontrarmos ou a perdermos, teremos como único destino a infelicidade? O amor romântico é um engodo? Nos últimos meses, várias pessoas se preocuparam comigo, queriam que eu não ficasse tão deprimida, que eu considerasse continuar vivendo,arrumasse um namorado e tocasse a vida para frente, mas nada é tão fácil como parece. Um grande amigo, o Sr. L, se separou recentemente e a conclusão estarrecedora ao fim de 28 anos de casamento: o que ele sentia não era amor! Bang! Tiro certeiro na ideia de que as pessoas se casam (e continuam casadas) por amor... Analisando os meus casamentos (foram só dois, tá gente?) eu concluo que quando estive formalmente casada não havia amor, mas no meu casamento destrambelhado com o Sr. T, o amor fluía sem tempo ou limite. Sim, eu quero seguir em frente, encontrar alguém e viver um amor pantufa: confortável, tranquilo e modorrento... Mas antes de ter certeza de que encontrei a outra metade da minha pantufa de coelhinho azul, quero ter certeza do que é esse tal de amor!