sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Doutores da alegria

Uma das características (como dizia um professor meu, pessoas não tem defeitos e qualidades, tem características) do Sr. T mais irritante era a sua discrição. Ele simplesmente não falava das pessoas, não contava coisas sobre a vida dos outros e também não alardeava as coisas que fazia. Eu ficava louca da vida quando descobria que ele tinha feito coisas importantes tempos depois. Lembro que só soube que ele ganhou um prêmio importante como melhor ator muito tempo depois de o conhecer. Quando o pai dele esteve doente no hospital para tratamento de câncer, o Sr. T me contou que ficou comovido com as crianças que se tratavam lá. Nunca me disse nada sobre o seu desejo de ser voluntário ou fazer qualquer trabalho no hospital. Um belo dia, semanas depois da sua morte, recebi um telefonema do pessoal do hospital. Era uma moça querendo saber se ele iria ao encontro marcado para a semana seguinte. Eu estava apática, mas mesmo assim fiquei com as orelhas pegando fogo, como assim "um encontro"? Respondi rispidamente que ele não poderia ir e a minha interlocutora, entre decepcionada e sem-graça resolveu explicar do que se tratava. - "Aqui é do hospital do câncer, o João se comprometeu conosco de participar da festa do dia das crianças, por isso estou ligando para confirmar". Nem preciso descrever o tamanho da minha surpresa e perguntei se ele costumava trabalhar lá com frequência. A moça respondeu que sim, que ele ajudava muito na ala das crianças, mas que tinha sumido nas últimas semanas e por isso tinha resolvido ligar. Enquanto ela falava, eu digeria a minha surpresa, pensando no tamanho daquele coração que viveu ao meu lado e toda a injustiça do mundo enquanto me preparava para contar para a moça que ele não abandonou o trabalho voluntário no hospital, ele tinha morrido. A surpresa e a tristeza dela foram tão doloridas quanto todo o resto de nossa conversa. Depois de um tempo, fiquei pensando que nunca tinha visto o Sr. T no palco, quando eu o conheci ele já não atuava mais. Acabei sorrindo enquanto pensava: como eu gostaria de ter visto o Sr. T como um dos doutores da alegria!