sábado, 12 de dezembro de 2015

Política

Não tenho a menor dúvida de que o Sr. T era um político brilhante. Muitas coisas que ele repetia constantemente poderiam ser aplicadas ao cenário atual. Ele tinha uma clareza incrível sobre o preconceito de classe no país e sobre como a política poderia transformar as pessoas e a sociedade. Sonhador? Talvez, mas seus sonhos eram coerentes e fundamentados em um pensamento estruturado. Eu me irritava muitas vezes com as suas análises, achava tudo um absurdo, duvidava do que ele dizia e alguns dias depois todo o cenário descrito por ele se confirmava. Eu ficava com cara de bunda, é claro! Ele costumava repetir que "na política, a roda grande passa dentro da roda pequena" ou "política é arte de juntar os inimigos, para juntar os amigos não precisamos de política". Não foram poucas as vezes em que ele me fez rir com histórias reais que pareciam sair de um programa de comédia: o vereador que segurava o seu paletó para que ele não votasse contra os interesses da maioria, o outro que pegou o pau da bandeira para acertar na cabeça do Sr. T durante uma sessão tumultuada na Câmara, as inúmeras manobras para evitar que ele subisse na tribuna, entre outros "causos" que me faziam duvidar da espécie humana. Traições, socos, brigas, mentiras, armações, articulações... Ele sabia tudo sobre todos e eu cansei de dizer que ele deveria ser um analista político, mas ele se recusava. Talvez ele acreditasse que o seu papel era de protagonista, nunca de espectador. Sem dúvida, se ele estivesse vivo compreenderia como poucos a perseguição das elites ao PT. Ele sabia que isso aconteceria e tenho certeza de que ele se espantaria muito com tanta letargia e punhos de renda com os quais os representantes do partido se apresentam diante da guerra declarada na qual vivemos hoje. Bom, eu acho que ele só não se espantaria com o fiasco da política local que tomou conta da cidade que ele tanto amava. Como disse o bêbado na porta da padaria um dia desses, "se juntar todos os políticos dessa porcaria de cidade, não dá meio Sr. T". Verdade, amigo, verdade...

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Relacionamentos abusivos

Essa pessoa tem razão? O discurso condiz com as ações? Por que a pessoa disse isso? Por que a pessoa agiu assim ou assado? São exemplos de perguntas bobas que deveríamos fazer em todas as situações da vida, principalmente nos relacionamentos. A Jout Jout fez um vídeo maravilhoso sobre relacionamentos abusivos e fez questão de afirmar que eles existem em todas as situações: homem sendo manipulador, mulher sendo manipuladora, homem com homem, mulher com mulher...Conheço várias mulheres que vivem todos os exemplos citados por Jout Jout sem perceberem, assim como conheço um homem que viveu um relacionamento abusivo terrível durante mais de 15 anos (a ex-mulher dele se fazia de doente, criava demandas absurdas e infernizava a vida da família inteira, enquanto quem estava seriamente doente, sem sequer perceber, era ele!). Relacionamento tem que ser bom para os dois, se só um se beneficia, pule fora!

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Diálogos surreais

Diálogo 1

- Você não sabe quem eu encontrei na rua, lembra daquela minha amiga da faculdade que casou com um belga?

- Lembro sim. Como ela está?

- Está ótima, os filhos estavam com ela. Uns fofos!

- Ela perguntou por mim?

- Perguntou por você? Como assim? Ela nem conhece você!

- Ah, mas ela podia ter perguntado por mim...

- Hã? Ela é MINHA amiga, eu não a vejo faz quase dez anos e ela deveria perguntar por VOCÊ? Você não acha que isso é ser muito egocêntrico?

- Não vejo nada demais nisso...

Diálogo 2

- Acabei de ser assaltada no ônibus, levaram meu relógio e minha aliança!

- Nossa que violência! Eles roubaram mais alguém?

- Sim, outras duas pessoas. Não sei mais como vou andar na rua, eu vivo com medo, fico suando frio quando entro no ônibus... (pausa para um choro comprido).

- Olha, fica calma, eu também sofro isso todos os dias. Você não sabe como eu ando tenso!

- Você? Tenso? Mas você só anda de carro, nem me lembro da última vez que você entrou em um ônibus!

- Ah, você nem sabe, a violência está em todos os lugares... Quando eu paro no sinal, fico logo tenso olhando para os lados!

- Você está querendo dizer que andando de carro, com os vidros fechados, no ar-condicionado, sofre a mesma angústia que eu que sou mulher e ando a pé e de ônibus, muitas vezes tarde da noite?!?

- Você não entende, eu sofro tanto quanto você!

-Dai-me paciência, Senhor...

Diálogo 3

- A sua filha está sofrendo com a perda do pai, mas pelo menos a situação está resolvida. As minhas é que sofrem com o pai problemático...

- Como?!?

- É, a sua pelo menos sabe que o pai não vai voltar, mas as minhas, coitadas, nunca sabem quando o pai vai aparecer.

- Você está dizendo que é melhor o pai morto do que um pai instável, mas que está vivo e pode ser encontrado quando elas quiserem? É isso mesmo?

- Menina, você nem sabe o sofrimento das minhas filhas. Você acredita que ele mandou um cartão de presente de Natal?

- Ô... Imagino quanto sofrimento...

Diálogo 4

- Ele não podia ter me abandonado, eu vivi para ele e para a casa a vida toda!

- É... Ele disse que tentou conversar com você várias vezes e que você não quis ouvir.

- É, mas ele devia ter me sacudido! Me obrigado a escutar! Ele tinha que ter me obrigado a ir ao médico, eu estava deprimida!

- Ele disse que estava doente, perdia sangue quando ia ao banheiro...

- Isso é verdade! Um absurdo de sangue!

- E você não achou que ele estava doente? Não ficou preocupada? Pode ser algo sério, pode ser um câncer...

- E você queria que eu fizesse o quê? Arrastasse ele para o médico?

- Mas você acabou de dizer que ele tinha que ter sacudido você, que tinha que ter levado você ao médico... Só vale para um lado, é isso?

- Não é isso, é que ahun... anhhh...

- Não entendi.

- Você não sabe o que eu passei!

- Ah, tá.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Antes de tudo, salve a si mesmo!

Em uma nova relação, o ponto de partida deveria ser uma reflexão profunda sobre o que deu errado no relacionamento anterior como um processo de amadurecimento que ajudaria muito a não repetir os mesmos erros e chegar aos mesmos resultados. Claro que as pessoas são diferentes, as relações são construídas em outras bases e sempre encontraremos novos erros para cometer. Entretanto, muita gente insiste nos mesmos erros e repete a sua própria tragédia inúmeras vezes sem sequer perceber que o problema não está no(s) outro(s), mas na insistência infame em errar indefinidamente. As pessoas fazem isso de diversas formas, me lembro de ter percebido que eu imputava ao Sr. T problemas que não eram do nosso relacionamento durante uma discussão, na qual eu listei uma série de atitudes dele que me magoavam pontuadas com a palavra "sempre" e ele respondeu perplexo: - "Mas eu nunca fiz isso, essas coisas nunca aconteceram com nós dois"... Naquele momento eu percebi o quanto subestimei os meus traumas e a força que o nosso inconsciente tem em várias situações da vida. Algumas pessoas iniciam um novo relacionamento de forma tóxica, com um representando o papel de vítima do ex e o outro representando o papel de elemento compreensivo e apoiador. O(a) ex tem todos os defeitos do mundo enquanto a "vítima" tem apenas qualidades ou os defeitos são, invariavelmente, autoelogios disfarçados: bobo demais, compreensivo demais, certinho demais, omisso demais, comprometido demais... O novo casal se une para marretar o personagem maléfico criado, propiciando uma espécie de alívio emocional ao criticar, sempre de forma cáustica, um dos personagens do relacionamento anterior. Usei "personagem" de propósito, já que é impossível saber o que acontece nas engrenagens de um relacionamento. O que uma das partes conta é sempre uma perspectiva distorcida dos fatos e quase nunca corresponde ao que realmente acontecia. O estranho é que esse novo relacionamento depende muito da figura antagônica (real ou imaginária) para se alimentar e sobreviver. Com o tempo, a situação perde a força por vários motivos: a figura central a ser atacada sai do radar dos envolvidos, dificultando a construção de novas críticas, a "vítima" se fortalece e deixa de necessitar do apoio no formato de ataques ao ex, uma das partes acaba repetindo a mesma situação tão demonizada na figura do outro no começo da relação (indiferença, ciúmes, traição, descaso, descontrole financeiro, agressividade etc). O fato é que quando isso acontece (pode demorar 5, 10, 15 anos, mas sempre acontece), a estrutura do relacionamento desaba e tudo que estava cuidadosamente escondido no subterrâneo psicanalítico, vem à tona. As pessoas sempre se revelam, não importa por quanto tempo possam se esconder. Portanto, o mais importante, é salvar a si mesmo primeiro. É preciso digerir as rupturas, compreender o processo de desconstrução da relação de forma madura e equilibrada, embora nunca não dolorida... O sofrimento nesta fase tem pouca relação com o outro, é o confronto com nós mesmos que provoca a dor. Não se pode esperar ser salvo por ninguém, porque ao outro cabe apenas nos apoiar em nossa jornada. A "salvação" é um processo pessoal, interno e intransferível porque depende apenas de uma coisa: ter coragem para conhecer a si mesmo!

sábado, 4 de julho de 2015

As festas de São João

Ano passado, nós não estávamos aqui no mês de junho e Dona Maricota estava decidida a participar da festa de São João da escola com toda dedicação possível. Acabou sendo escalada para compor o casal principal da dança e me pediu um vestido novo, mas não um vestido qualquer: ela queria um vestido de São João feito pela avó paterna. Complicado... É impossível não vincular as festas de São João com o Sr. T, seja por causa de suas raízes ou pela data da sua morte. A "roupa de São João" é uma tradição nordestina, muito diferente do que conhecemos no Rio de Janeiro. Tem diversos simbolismos, mas o mais importante é que todos os anos enquanto o Sr. T estava vivo, a avó costurava um vestido maravilhoso, repleto de fitas, babados e rendas. Dona Maricota brilhava com os vestidos da avó em todas as festas da escola: uma ano o vestido era lilás, no outro vermelho, no seguinte rosa... O último vestido que ela fez foi entregue ao Sr. T uma semana antes da sua morte e na última foto dos dois juntos, Dona Maricota está feliz da vida com seu vestido de São João. Respirei fundo e fiz os contatos para saber se era possível costurar um vestido para a festa. Claro que a avó ficou feliz da vida e se esmerou na confecção do vestido em tons de amarelo, com muitas fitas coloridas. Fomos buscar o vestido na casa dela e se eu tivesse entrado no túnel do tempo, o cenário não seria tão perfeito! Tudo estava exatamente como antes, a mesma confusão, o mesmo número de crianças, o mesmo jardim mal cuidado... A tristeza que eu senti foi imensa por retornar ao espaço que sempre frequentei com o Sr. T e encontrar a mesma situação que ele tanto criticava, os mesmos problemas e até os mesmos cheiros. O vestido ficou perfeito, avó e neta ficaram encantadas e saí de lá direto para o dentista, depois de deixar Dona Maricota na casa de uma amiguinha da escola. Saí do carro e tive o cuidado de levar o vestido comigo, ele ocupava boa parte do banco de trás, chamando muito a atenção de quem passava. Em tempo de festa, é melhor não facilitar... Entrei no consultório e foi só a atendente exclamar "que vestido bonito" para eu cair no choro. Chorei durante uns dez minutos enquanto eu explicava como era difícil reviver algumas situações e isso não tem nada a ver com o tempo. A vida segue, Dona Maricota pouco se lembra do pai, casei novamente, mas as perdas emocionais ficam lá, adormecidas e esquecidas, até que alguém as cutuque novamente. Então, elas emergem furiosas, como se os fatos tivessem acontecido na semana passada. Einstein disse que o passado, presente e futuro não existem, são apenas fruto da limitada percepção humana. Cada vez mais me convenço que ele tem razão, em algum universo paralelo a vida continua existindo do mesmo jeito e toda vez que as conexões são feitas, a minha fortaleza emocional, construída com tanto cuidado, desaba.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

A não tão divertida mente...

Fui assistir ontem Divertida Mente, a nova animação da Pixar. O filme é um primor,  não tanto por seus recursos visuais, mas, sobretudo, por suas reflexões complexas sobre as emoções, o funcionamento da mente e a dureza do amadurecimento. O filme retrata o amadurecimento de uma menina pré-adolescente, mas o fato é que amadurecemos várias vezes ao longo da vida e isso independe da idade. Fiquei sensibilizada ao ponto de sentir um nó na garganta com o "apagão" emocional da protagonista. Eu já escrevi sobre isso aqui no blog, muito mais apavorante do que sentir tristeza em alguns momentos da vida, é não sentir absolutamente nada e o filme mostra isso de forma bem sutil. A conclusão do filme é que a tristeza é bem-vinda porque é através dela que amadurecemos e mostramos aos outros o quanto precisamos de ajuda para superar um momento ruim. Entretanto, a grande dificuldade na vida é quando não conseguimos externar as nossas angústias ou ter consciência da nossa condição alterada. Não pedimos ajuda e não queremos ser ajudados porque "está tudo bem, sem problemas, estamos ótimos". O não reconhecimento (ou aceitação) da instabilidade emocional é perverso e afeta aos que se relacionam conosco nos mais diferentes níveis. Invariavelmente, nos sabotamos o tempo todo e, como consequência, sabotamos os outros também. Não queremos mudar a nossa vida porque estamos cansados demais ou não temos coragem suficiente para isso, mas invejamos quem o faz. Invejamos a felicidade do outro, o sucesso, o bem-estar, mas acima de tudo, invejamos o equilíbrio. Então, chegamos ao ponto crucial: podemos impor aos outros a nossa loucura? É correto enxergar apenas a loucura dos outros sem olhar o nosso próprio interior instável? O outro tem que aguentar tudo para sustentar o relacionamento? Penso que não... Li um texto interessante que afirma o seguinte: "Se o outro prefere ficar se sabotando, é problema dele. Se ele não quer se permitir viver uma experiência que seria completamente diferente de tudo o que ele já viveu antes, é problema dele. Você não tem nenhuma culpa ou responsabilidade pelas escolhas das outras pessoas, independentemente de quais sejam elas. Infelizmente, vivemos em uma geração de pessoas covardes, que se envolvem, mas depois ficam afastando os envolvimentos porque preferem ficar se escondendo atrás dos seus traumas. Eu já fiz isso, você também já deve ter feito. E sabe por que tanta gente faz isso? Porque é mais fácil ficar em uma zona de conforto de auto-piedade, reclamando que os traumas deixaram marcas ou dizendo “Ninguém me ama, ninguém me quer”. Mas tudo isso não é problema seu, amig@: é problema da pessoa. É problema dela se ela só se permite se apegar a sentimentos tão pequenos de mágoa, rancor, egoísmo e pena de si mesma". (Link para o texto completo aqui). Independente das alegorias textuais ou visuais que possamos fazer, a organização emocional é um processo interno, pode ser apoiado por outras pessoas, mas só pode ser alcançado através da escolha individual. Sendo assim, qualquer esforço para "iluminar" o outro, sempre será em vão e precisamos nos conformar com isso.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Como cuidam de você

Uma única vez na minha vida, há muitos anos, eu quebrei o pé. Foi na garagem de casa, o terreno era em aclive e a rampa da garagem tinha placas de concreto entremeadas com grama. Abri o portão para tirar o carro, pisei em falso e escutei o treeeec. Na mesma hora senti uma dor aguda e disse ao meu marido que tinha quebrado o pé. Ele afirmou que era impossível, no máximo eu poderia ter luxado ou distendido um músculo. Não, ele não era ortopedista. Muito menos médico. Mas afirmou com certeza de quem já tinha quebrado o pé anos atrás. Saímos para fazer o que tínhamos planejado (ir ao supermercado, eu acho), voltamos para casa e eu continuei sentindo dores enquanto ele foi dormiu a tarde toda. Quando ele acordou já no final do dia, eu disse que precisava ir ao médico porque o pé estava mesmo quebrado. Ele disse que era bobagem minha e eu levantei a perna para que ele visse: meu pé estava terrivelmente inchado e arroxeado. Fomos ao hospital e o diagnóstico do médico foi que eu tinha quebrado o pé em dois lugares diferentes. A recuperação foi difícil porque um dos ossos soltou uma lasca que acabou complicando o quadro. Não sei se ter andado durante a manhã e demorado para ir ao médico agravou a situação. Tive que engessar o pé duas vezes e usar uma tala imobilizadora por mais algumas semanas.Senti dores durante muito tempo, mesmo depois de ter concluído o tratamento. Bem trágico para quem não tinha quebrado o pé e estava só de mimimi, não é mesmo? Aquele fato me mostrou que existem coisas muito além do convívio que precisam ser observadas nos relacionamentos. A forma como cuidam de nós e como cuidamos do outro é o alicerce de tudo: é a expressão dos nossos sentimentos sem possibilidade de máscaras. O desamor aparece nas pequenas coisas e as pequenas violências cotidianas podem ser muito mais destrutivas do que eventos extremos. De qualquer forma, não lamento as coisas que vivi, as experiências negativas nos ensinam a reconhecer e valorizar as boas ações e os verdadeiros amores. Pena que tantas pessoas não aprendam com o passado e, por isso mesmo, não mudam o seu futuro.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Em câmera lenta

Aparentemente, viver a vida intensamente significa possuir uma agenda lotada e frenética com diversos compromissos distribuídos na companhia de 450 amigos. Ou ter um emprego dos sonhos, com muito poder, viagens e um salário polpudo que permita mais diversão, viagens e muito lazer. A pegadinha é que as duas coisas são incompatíveis. Quando se tem um trabalho com um cargo alto e cheio de responsabilidades, o trabalho é contínuo e invade os finais de semana, as férias e qualquer tentativa/ameaça de descanso. O peso da responsabilidade e a carga-horária são tão grandes que os poucos momentos livres são utilizados para dormir tudo o que não foi possível durante a semana. O contraponto de uma vida intensa é aquela na qual as pessoas se recusam a viver e passam os dias enclausuradas dentro de casa encontrando conforto nos programas de televisão, se recusando a receber visitas ou a sair para visitar alguém. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, posso dizer que o meu relógio interno mudou. Além das questões existenciais óbvias que colocamos em pauta quando perdemos alguém (a vida é curta, é preciso não adiar as coisas etc), a reflexão sobre a própria trajetória até aquele momento fatídico pode servir como uma catapulta para o mundo. Ao priorizar estar com as pessoas e realizar sonhos e projetos antigos, o mundo passou a se mover em câmera lenta para mim, enquanto as minhas memórias com o Sr. T aparecem em preto e branco como em um filme antigo. Hoje tudo é demorado, lento, como se as relações e ações fossem esculpidas lentamente. Não interrompo a conversa, não tenho pressa em concluir, não tenho pressa em chegar e muito menos em sair. Eu que era capaz de tocar quatro ou cinco projetos ao mesmo tempo, mal consigo dar conta hoje de um! Quero a liberdade de me enrolar no meu cobertor quando eu estiver cansada ou infeliz e sair explorando Recife por aí com as pessoas que são muito queridas. A única condição é que nada, absolutamente nada, será vivido com superficialidade ou pressa. Sou capaz de reproduzir cada diálogo de um almoço com os amigos, descrever cada detalhe da paisagem de um lugar novo que conheci ou contar em detalhes a história que já me foi contada por outra pessoa. A pressa não é inimiga da perfeição, é inimiga das vivências, das experiências e da possibilidade de desfrutar os momentos. Em troca, recebemos (e vivenciamos!) o calor humano, o calor das pessoas, o calor do carinho e do afeto. Quando se experimenta o vazio e o frio insuportável da perda, cada calor recebido nas trocas afetivas é intenso e abençoado todos os dias!

sábado, 21 de março de 2015

"Viver é se despedir um pouco de nós mesmos"

O título da postagem é de um texto que li hoje. O texto nos compara ao Fênix que precisa ser consumido pelo fogo para renascer das cinzas. A autora afirma que a nossa vida é feita de pequenas mortes contínuas, as pancadas que recebemos da vida nos derrubam para que possamos começar tudo novamente. É uma perspectiva interessante, mas se o sofrimento é inerente ao crescimento e ao ciclo da vida, precisamos repensar o que é a tal de felicidade... Eu já disse aqui no blog que muitas pessoas não vivem, elas apenas sobrevivem e passam a vida toda muito atentas para evitar qualquer tipo de sofrimento. São pessoas que acreditam que tem o controle de tudo e que é possível desenhar o futuro. Não podemos confundir planos com controle, os planos estão relacionados com os sonhos, com as aspirações, com a esperança e o desejo de construir o futuro. Já o controle pressupõe o envolvimento superficial com as pessoas e a capacidade de prever (e determinar) o comportamento de todos que fazem parte da nossa vida. Lidar com os percalços da vida exige muito mais do que um couro duro e determinação, depende do nosso caráter e da nossa atitude diante das dificuldades. Se enfrentamos tudo com serenidade e coragem, o destino certamente nos reservará algo melhor. Se nos revoltamos contra os obstáculos e não reconhecemos a nossa responsabilidade sobre o nosso próprio futuro, andaremos em círculos por muito tempo até aprender. O fato é que não temos mesmo opção: quando a vida nos tira o controle de tudo, talvez, apenas talvez, seja o momento certo para começar a fazer planos!

"Quando a alegria decorrer em tristeza, quando a leveza se transformar em pesar, é o momento de desprender-se outra vez. E outra, e outra, e outra. Quantas forem necessárias. Em busca da felicidade vamos, endurecendo-nos, mas sem perder a ternura. Jamais". (Karen Curi)

domingo, 8 de março de 2015

A vida que eu não vivi

Conheço duas mulheres que estão se aproximando dos 70 anos e cada uma lida com o seu momento atual de forma diferente. Uma considera que sua trajetória se não foi ideal, foi satisfatória e já começa a contar o tempo que tem hoje como um bônus da vida. Esconde a sua frustração na diversão e busca minimizar o sofrimento do passado com a certeza de ter aproveitado os bons momentos que a vida proporcionou, não há lugar para arrependimentos. A outra é inconformada com a sua história e com os desdobramentos dela. Viveu para a família e isso foi tirado dela de alguma forma. O pouco que sobrou não é suficiente ou não se compara ao que ela teve um dia e isso afeta a sua percepção do presente. As duas não foram felizes e penso que a grande diferença entre elas está na forma como elas acomodaram a sua tristeza: uma a acolheu filosoficamente e acomodou os seus sentimentos ao que foi possível construir, a outra transformou a sua tristeza em um fardo tão terrível que ele já ameaça a sua saúde e sua sanidade. O fato é que beirando os 70 anos, não existe mais uma possibilidade de recomeço, de novas tentativas, de reescrever a sua história. A história está em muitos aspectos concluída e os espaços para um futuro diferente ou uma esperança morna são cada vez mais escassos. Descubro agora que esse é verdadeiro terror ao envelhecer, não existe mais uma vida pela frente! Como o futuro é mais do mesmo, somos obrigados a olhar para trás, lamentar pelos erros e nos gabar das nossas realizações. Porém, se temos muitas frustrações, contas que não foram acertadas, perdas irremediáveis e nenhuma lembrança que nos traga felicidade, a existência pode se tornar insuportável e pouco pode ser feito. O desapego do passado e das vidas que não vivemos é um exercício fundamental para encontrar a paz e a tranquilidade. Afinal, se não é possível mudar o passado, podemos pelo menos escolher a melhor forma de conviver com ele no presente e no futuro.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

É preciso acreditar nos vivos

Alguns livros sobre a doutrina espírita destacam que o sofrimento das pessoas que desencarnam não está necessariamente relacionado com a morte em si, mas com a angústia que alguns desencarnados sentem com a separação dos seus entes queridos. A angústia vem da incerteza de que os vivos continuarão bem apesar da ausência da pessoa que partiu. Aprendi desde cedo que o sofrimento dos que ficam é muito mais pernicioso para os desencarnados do que lidar com a sua própria condição. Uma das situações mais tristes que vivi foi quando a minha filha, com apenas 4 anos, passou horas no quarto chorando e gritando sem parar "papai, papai, papai"... O sofrimento nesse momento foi algo tão dolorido que é impossível traduzir, eu sabia que a condição histérica dela passaria logo e que no dia seguinte ela nem se lembraria daquele momento, mas eu pressentia o quanto poderia ser angustiante para alguém que desencarnou tão rapidamente e era tão apegado à filha, ser chamado incessantemente por horas. Talvez tenha sido um dos poucos momentos na minha vida em que a tristeza me paralisou e me tornou fraca e impotente. Por isso mesmo faço um exercício diário para aceitar que cada um precisa passar por seus próprios percalços e viver sua própria história. O que nos cabe durante esse percurso é ser um bálsamo, um ponto de apoio e consolo para quem precisa, nos momentos em que for necessário. Impedir que o outro, seja uma criança ou um adulto, não vivencie as experiências que possibilitarão o seu crescimento e evolução espiritual, tem o efeito exatamente inverso: não conforta, não ajuda, não melhora, apenas prejudica e enfraquece aquele que pensamos estar protegendo. É preciso acreditar no outro e aceitar que cada um é responsável por suas próprias escolhas e, principalmente, é preciso ter clareza de que ninguém nesse mundo pode nos prejudicar além de nós mesmos.