domingo, 27 de fevereiro de 2011

Um dia como outro qualquer

Desde o ano passado, sinto como se a minha vida tivesse se transformado em pequenos desafios que precisam ser vencidos. Primeiro, foi o aniversário de D. Maricota e devo dizer que não foi uma tarefa fácil. Depois veio o Natal e o Ano Novo. Agora o meu aniversário. Sim, hoje é meu aniversário e fico feliz por não dar muita importância as datas. Imagine se eu fosse como algumas pessoas que fazem questão da presença do outro, da comida e de todos os símbolos envolvidos nas datas comemorativas? Mesmo sendo blasé em relação aos eventos já é difícil, imagine se fosse ao contrário! Eu sempre ficava aborrecida com o Sr. T porque ele não ligava para presentes e comemorações de aniversário, mas ele sempre dava um jeito de fazer alguma coisa mais prática: cozinhava, trazia um bolo, me levava para tomar café da manhã no Mangai... O nosso aniversário era na mesma semana (o meu no dia 27 e o dele no dia 05), então, eu sempre repetia a mesma coisa que ele tinha feito para mim, exatamente uma semana depois. Era uma coisa boba, mas divertida. Hoje foi um dia ameno, almocei com as meninas, passeamos no shopping e D.Maricota acabou ganhando um brinquedo de presente. Já no carro, eu perguntei para ela se não era estranho que ela ganhasse um presente no dia do meu aniversário e eu não. Ela olhou para o pacote, ficou em silêncio por alguns minutos e depois respondeu: - Mas mamãe, você não gosta de brinquedo! Claro, aniversário=bolo=brinquedo. Depois de passar duas semanas explicando para ela que eu não teria festa, muito menos tema de festa, eu não podia ter mesmo o brinquedo! Afinal, tá pensando que festa de aniversário é bagunça, é?

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O sonho

Esta semana foi particularmente difícil, talvez pela proximidade do meu aniversário e do Sr.T, talvez pelo sonho que tive no domingo passado. Foi o primeiro sonho que tive refletindo a situação atual. Os outros sonhos eram lembranças de coisas que fizemos juntos, mas esse não. Nós conversamos sobre o fato dele estar morto e descobri que eu estava zangada com ele por tudo o que aconteceu. Não me interpretem mal ou levem muito ao pé da letra, mas eu e o Sr. T tínhamos longas conversas metafísicas e colecionávamos várias experiências estranhas como pressentimentos, sonhos, visões etc. Portanto, a minha chateação estava fundamentada na seguinte premissa: como eu não soube do que me esperava? Como ele partiu tão de repente, sem aviso, sem conversas prolongadas e mesmo sem um adeus? No meu sonho, enquanto eu despejava a minha irritação, ele simplesmente entrou em um supermercado qualquer! Eu falei incrédula: eu preciso falar um monte de coisas importantes e você vai ao supermercado? Você sequer come! Mas ele sorriu, fez as suas compras e voltou cheio de sacolas com comidinhas para D.Maricota. Fiquei pensando se não era um reflexo da preocupação enorme que ele tinha com a alimentação dela. O encontro de D.Maricota com ele foi doloroso demais, ela teve uma crise nervosa quando o viu e ficou agarrada no colo dele como um masurpial.Ela ficou lá, abraçada com o rosto escondido no cabelo dele (no meu sonho ele estava com as tranças de novo). As pernas compridas dela indicavam que o tempo havia mesmo passado e depois caminhamos juntos em silêncio, nós três, exatamente como a minha lembrança da família que já fomos um dia. Acordei com uma tristeza tão grande no coração que fico me perguntando se o meu subconsciente não tem pena de mim. São experiências que não acrescentam nada, só trazem à tona sentimentos que estão guardados bem escondidos com um esforço tão grande que quase não consigo respirar!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Meu GPS

É um desafio morar em uma cidade diferente da que você cresceu, os referenciais e a orientação no espaço urbano é sempre meio estrangeira. Mesmo quando a cidade tem uma estrutura fácil para o deslocamento, os nomes das ruas e os acessos não estão na sua memória como deveriam. O que fazer então? Perguntar para quem sabe e, no meu caso, o nativo costumava estar ao meu lado, com a grande vantagem de que ele sabia quais eram as minhas referências e descrevia o trajeto a partir delas. Nada me irrita mais do que uma pessoa quer quer ensinar um caminho e fica perguntando: conhece isso, sabe aquilo? Ora, se eu soubesse não estaria perguntando! Não preciso dizer que tenho andado em palpos de aranha quando preciso me deslocar para um endereço desconhecido. Perto da onde? Qual é o melhor caminho? Em que altura fica? A primeira solução que encontrei para o problema foi mudar de cidade, mas percebi que era uma medida meio desesperada e optei por um GPS. Ah, a tecnologia... Bom, pode ser que eu seja rebelde, mas é meio irritante ouvir ordens o tempo todo: dobre aqui, diminua, retorne etc. Sem falar nas medidas, trezentos metros, mil metros... Eu sei lá qual é a distância que corresponde aos mil metros? Ao dirigir ouvindo as ordens e contra-ordens, lembrei de uma brincadeira do Sr. T com Dona Maricota no shopping. Toda vez que nós entrávamos, a máquina do estacionamento começava aquele discurso "bem vindo, retire o seu ticket" e o Sr. T respondia fazendo grunhidos e resmungos. D. Maricota sempre gargalhava diante do diálogo maluco e quando ele esquecia de fazer a brincadeira, ela sempre lembrava: - Papai, fala com a máquina! Fiquei rindo sozinha no carro ao pensar nas doces palavras que ele certamente diria para o meu autoritário GPS!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Vida de ator

Eu e minha filha mais velha conversamos ontem sobre um curso que uma amiga queria fazer, mas foi obrigada a desistir por causa do itinerário: ela teria que esperar o ônibus no terminal da integração depois das oito da noite. A minha filha disse que até mesmo o Sr. T considerava o local perigoso depois de uma certa hora, o que é um sério indicador do nível estratosférico de perigo da área. Ele estava acostumado a andar nos piores buracos, dificilmente se sentiria intimidado por uma bobagem. Durante os últimos meses, ele trabalhava em outra cidade e chegava ao tal terminal por volta das oito da noite. Um dia ele chegou em casa contando que o local estava impossível, com muitos assaltos, brigas e prostituição na rua que assustavam as pessoas que voltavam do trabalho cansadas e só queriam chegar em casa com tranquilidade. Neste dia em particular, ele contou que duas senhorinhas se esconderam atrás dele com medo de um grupo que estava intimidando as pessoas para roubá-las. O Sr. T disse que enfiou a mão no bolso, fez uma expressão bem carrancuda para encarar os sujeitos e simulou que estava armado. O grupo se dispersou e as senhorinhas agradeceram muito a sua performance. Boquiaberta, eu perguntei: - Mas eles acreditaram mesmo que você estava armado? E ele respondeu sorridente: -Mas é evidente! De alguma coisa tem que servir o diploma de ator! Ou você esqueceu que sou um ator premiado? Não preciso nem dizer que caímos na gargalhada...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Apesar de...

No filme Unconditional Love tem um diálogo que pode ser resumido mais ou menos assim: não importa se você for roubado, traído, maltratado, seu amor continua inabalável, independente do que o outro faça e mais: o outro não precisa sequer amar você de volta. Parece meio doentio (e é!), mas eu penso que o contrário também é estranho (eu só amo se você fizer isso ou aquilo) porque parece uma barganha ou um negócio. O caminho do meio entre os dois extremos pode ser o que eu e o Sr. T chamávamos de "apesar de". Todas as vezes que tínhamos alguma crise no nosso relacionamento, a ponderação era a capacidade de amar apesar dos defeitos do outro, das incompreensões e do próprio desgaste do relacionamento. O que eu chamo de desgaste é o processo de reavaliar a relação diante de cada crise. Neste momento, colocamos na balança o tamanho do nosso amor com as coisas boas do relacionamento e o fator que gerou a crise. Se a balança pender para o lado do amor, perdoamos e seguimos a nossa vida, se o fator da crise for maior que o amor temos duas alternativas: rompemos imediatamente ou guardamos ressentimentos que vão se acumulando ao longo do tempo. O grande problema é que os fatores nunca saem da balança, por mais que você os expulse. Toda vez que estamos em crise, não apenas o problema imediato é colocado para ser pesado, mas todos os antecedentes do relacionamento. É justamente aí que mora o perigo... O nosso "apesar de" era muito mais que perdoar o outro ou relevar o problema, era uma escolha. Eu escolho amar você apesar de você ter me magoado e como minha livre escolha, eu sou o único responsável por ela. E quando se é responsável pelas próprias escolhas, não cabe infligir ao outro as nossas frustrações e anseios. Talvez a maior complexidade do amor seja justamente a dialética entre dividir/ceder e ser autônomo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Amor e ciência: uma dupla explosiva!

Já faz um tempinho que a ciência insiste em desvendar o mecanismo humano que move a paixão e o amor. Parece que os cientistas não acreditam muito nas questões sociológicas, eles estão certos que vão desvendar as questões biológicas. A paixão é mais fácil, tem a ver com o cheiro, a memória, o DNA e sei lá mais o quê. Também acredito que a atração inicial possa acontecer por questões primitivas, relacionadas com a memória da nossa espécie: segundo eles, buscamos um parceiro com DNA diferente do nosso para possibilitar a perpetuação da espécie e a paixão só dura 36 meses. Agora, complicado é justificar biologicamente porque ficamos com uma pessoa por dez anos ou a vida toda. A escolha por alguém está muito longe de ser decidida com argumentos científicos. Bom, daí que os cientistas escanearam o cérebro de pessoas que estão juntas há mais tempo e se dizem apaixonadas pelo parceiro. Sabe o que eles descobriram? Que as áreas ativadas eram as mesmas das pessoas recentemente apaixonadas, com a diferença de que nos relacionamentos recentes as áreas da tensão e obsessão estavam ativadas e nos relacionamentos mais antigos eram as áreas da dedicação e do vínculo que estavam. Não tenho a menor ideia de qual seria o resultado se meu cérebro fosse escaneado, mas sei que um relacionamento é fruto de muitas escolhas que nada tem a ver com a ciência. Porém, como acadêmica, posso afirmar que dificilmente determinadas áreas seriam ativadas novamente no meu cérebro como foram no meu relacionamento com o Sr. T!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A escola

Semana passada, Dona Maricota voltou às aulas e foi dureza ter que fazer o processo que o pai fazia. Fui fazer a matrícula na escola, comprar o material dela e, finalmente, ir com ela até a escola no primeiro dia de aula e conhecer a nova professora. Ela está crescendo tão rápido, em menos de dois meses amadureceu muito. Está decidida a aprender a ler, resolveu que já é uma menina grande que atende o telefone e toma banho sozinha e o mais importante: já pode subir na casinha da árvore que tem na escola. Só as crianças grandes do Jardim II podem se divertir na casinha da árvore e, sem dúvida, foi um divisor de águas no processo de crescimento dela. Quando perguntei se ela tinha gostado da professora nova, ela me corrigiu: - Ela não é nova, mamãe, porque ela já era do Jardim II! Tentei explicar que era nova para ela e blá, blá, mas ela não me deu atenção. Ela é grande e já sabe tudo... Olhar o crescimento dela de forma tão visível e concreta me aperta o coração. Eu e o Sr. T conversávamos muito sobre o comportamento dela, tanto as suas tiradas engraçadas quanto os seus momentos de pirraça. Ver que ela está crescendo e ele não está por perto produz um tipo de tristeza no meu coração que nunca pensei que fosse sentir. Não é a saudade do passado, é a sensação de perda inexorável do futuro com tudo que ainda está por vir.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Duas partes do todo

Quando uma pessoa faz um balanço de todos os relacionamentos que teve na vida (incluindo os amigos e a família) pode concluir que algumas pessoas fazem muito bem para nós, outras nem tanto. O curioso é que algumas pessoas que não dão certo conosco, surgem como o par perfeito para outras pessoas, levando ao pensamento inevitável: será que eu era o problema? Claro que ter a premissa de que nós podemos ser o problema é sempre saudável, mas eu tenho uma teoria sobre isso. Acredito que todos nós potencializamos algumas características da pessoa que convive conosco (reparem que eu disse características e não qualidades ou defeitos). Uma pessoa extremamente ciumenta que convive com alguém que não suporta ser oprimido, será sempre uma combinação explosiva. Mas além das obviedades, existe um processo de negociação das características individuais nos relacionamentos e o resultado dela é o perfil do casal. Assim, algumas característica podem ficar suprimidas ou exacerbadas, dependendo do perfil do nosso parceiro. Isso significa que fazer um relacionamento dar certo depende muito mais da negociação correta das características individuais do que das questões relacionadas com o amor. O que costuma acontecer é que durante o período em que estamos apaixonados, fazemos mais concessões, nos anulamos, somos mais permissivos e quando a paixão acaba, enfiamos o pé na jaca e nos mostramos como somos de verdade. É aí que mora o perigo, portanto, não dá para dizer que as pessoas mudam ao longo do tempo, elas apenas se revelam. Quando conheci o Sr. T, eu estava tão desacreditada dos relacionamentos que fiz o movimento inverso: antes da nossa decisão de viver juntos, passamos uma semana em Carapibus e eu disse a ele exatamente como eu era. Despejei as minhas falhas de caráter, a minha ansiedade e os meus medos. Ponderamos uma série de coisas e resolvemos ali o que cada um poderia suportar. Nos anos seguintes, nunca tivemos uma briga muito séria, o que não significa que não tivemos problemas. Tivemos muitos, mas cada um sabia exatamente o que podia enfrentar e o que poderíamos cobrar do outro. A vida assim ficou bem mais fácil.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Meu highlander

Quando nos acostumamos com os problemas de saúde, a nossa percepção da gravidade das doenças fica alterada. Meu pai era um caso perdido, vivia entrando e saindo dos hospitais pelos mais diversos motivos. Ele era cardíaco, tinha três pontes safenas e vivia como se nada de diferente tivesse acontecido. Ele era tão bem disposto e rosado, que nós dizíamos que ele parecia um bebê Johnson. Subia em telhados, cortava os dedos em máquinas de serrar, despencava do alto das escadas, enfim, correr para o hospital com ele tornou-se um modo de vida. Até estrangulamento peniano, coisa da qual eu nunca tinha ouvido falar, ele conseguiu ter! As idas e vindas nas salas de emergência criaram uma falsa sensação de imortalidade para mim. Não importava o que ele tivesse, eu sempre tinha a sensação de que ele iria se safar e ficar melhor do que antes. Quando ele morreu, eu fiquei atarantada porque o meu highlander não tinha conseguido vencer mais uma batalha. No caso do Sr. T, foi pior ainda porque ele nunca tinha ficado seriamente doente. Nos nossos oito anos de convivência, ele esteve no hospital três vezes: duas por causa dos rins e uma por causa de uma pneumonia. Ou seja, nada grave ou assustador e se ele não podia ser comparado com um bebê Johnson, seria correto dizer que ele parecia um guerrilheiro forte e saudável que usava óculos de soldador como óculos escuros. Por aí já dá para notar a diferença!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Um homem bonitão

Ao comentar no outro post sobre o Sr. T ser bonitão, eu me lembrei de uma história ótima. Duas vezes por semana, eu trabalhava em uma empresa do sistema S e um dos pressupostos da empresa é que todo mundo deve estar enquadrado em único padrão de beleza, a tal da “boa aparência”. No nosso país a boa aparência significa ser branco, andar de terno, ter dentes perfeitos etc. e quem usa usa tranças rastafari, calças camufladas e cara de revolucionário cubano, definitivamente, não está dentro do padrão. O Sr. T foi me buscar como fazia sempre, mas como meu celular estava descarregado, ele entrou na empresa pela primeira vez e pediu para me chamarem. A secretária era uma moça muito novinha, um doce de pessoa, mas que já estava devidamente enquadrada nos pressupostos da “boa aparência”. Eu estava na sala de reunião quando ela entrou com olhos arregalados e a boca tão aberta que caberia um ovo: - Professora, tem um homem procurando pela senhora! O tom era de espanto mesmo e na hora eu percebi o que estava acontecendo: - Um homem? É meu marido? Obviamente, ela não podia acreditar que fosse e ficou muito embaraçada em ter que responder. - Não, acho que não... Ele disse que a senhora estava esperando por ele. Ela parecia ter certeza de que o homem era uma ameça e que não me conhecia. Fiz um esforço para não rir, outras pessoas estavam na sala e respondi muito séria: - Olha, fulana, meu marido é um homem lindo! Não tem como errar! O homem que está aí é bonitão? A pobrezinha, torcia as mãos nervosa, sem saber o que responder. - Ahnnn... não sei dizer, professora. Eu, ahn... Dei o golpe de misericórdia: - Por favor, vá até lá e olhe de novo. Se for um homem bem bonitão pode mandar entrar que é meu marido. Se não for, diga para ir embora que eu não conheço e não estou esperando ninguém! Vocês acreditam que foi só nesse momento que caiu a ficha e ela percebeu que eu estava fazendo uma crítica light ao preconceito dela? Sem graça, ela começou a rir e concluiu: - Bom, professora, eu vou mandar ele entrar. Pensando bem, ele é bonito sim... Desde aquele dia, ela sempre perguntava pelo meu marido bonitão e ria constrangida quando se lembrava do que tinha acontecido. Semana passada eu recebi um e-mail lindinho dela, querendo saber como eu estava e torcendo para que tudo ficasse bem. É muito bom quando podemos mostrar o outro lado da moeda e conquistar o carinho e o respeito das pessoas.