sábado, 30 de junho de 2012

O tempo e o vento

Eu gosto de heróis. Gosto de homens heróis, daqueles que lutam pelo que acreditam e são tão fortes e corajosos que parecem saídos de contos de fadas. Reparem que eu não gosto de príncipes, eu gosto de heróis, não gosto dos que salvam a princesa, eu gosto daqueles que protegem o mundo. Pena que os heróis sejam tão raros... Hoje, os candidatos a herói se tornaram escravos do cotidiano, das coisas pequenas, de seus ternos finos e carros caros. Não acreditam em mais nada e, por não acreditarem em si mesmos, são apenas homens comuns. Eu conheci três heróis durante a minha vida toda: o Sr. Baba, o Sr. T e o Sr. L. Cada um com suas características especiais, todos eles salvaram a minha vida (pelo menos metaforicamente). O Sr. Baba foi o herói indestrutível com o rosto mais fofo do mundo e uma mão tão forte que virou lenda urbana na Refinaria de Duque de Caxias (dizem que ninguém era capaz de abrir um registro que tivesse sido fechado por ele). Era um herói que tropeçava, mas nunca tombava e custei a acreditar que vida pudesse ser finita nele. Foi a primeira pessoa próxima que eu perdi na minha vida e justamente na figura de pai. O Sr. T vocês já conhecem, um herói que tinha uma causa, um propósito na vida e foi fiel ao que acreditava até os seus últimos instantes. Ele me ensinou a essência da vida, me fez rir quase todos os dias durante o tempo em que convivemos, me ensinou a controlar a minha ira e amar as pessoas incondicionalmente. É um herói do bem no sentido mais fiel da palavra. O Sr. L é uma espécie de anti-herói porque ele mesmo não se reconhece como herói. É capaz de cuidar das pessoas, ser generoso e realmente se desconstruir todos os dias para ser uma pessoa melhor, afugentando todos os seus fantasmas em busca da felicidade. Ele me salvou deu uma tristeza tão imensa que estava corroendo a minha alma, me fez sair do quarto escuro e voltar a se alguém. Nenhum dos três está mais na minha vida hoje, lamento todos os dias por todos eles e lamento por mim. Volto para os livros e me distraio com os meus heróis preferidos, Capitão Rodrigo, Stark, Aragorn... Na verdade, apesar de amar tanto esses heróis e reconhecer a importância de cada um deles, eu sei que na aventura da minha vida só existe uma grande heroína: eu!

Dois anos, oito horas e quarenta e quatro minutos. Mas ninguém está contando, não é mesmo?

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Borboleta nos olhos

O texto a seguir é da minha querida Luciana, uma linda que é a borboleta nos olhos do título desta postagem e uma feiticeira das letras embaralhadas, organizadas, sequenciadas... Precisei reproduzir aqui porque as palavras do texto estavam gritando dentro da minha cabeça, gritos tão altos e agudos que eu precisava colocar para fora. Percebi a verdadeira dimensão da delicadeza do amor quando indiquei o texto para uma pessoa querida e recebi a seguinte resposta: - Você é Eu e eu sou Tu!

Eu, Personagem

Eu sou em labirintos. Escavo percursos pra me perder de mim. Planejo fugas e marco paredes com indicações de futuros que não percorrerei. Monstro encarcerado, sei minhas sombras. Sou besta e herói, fio e espera. Morro. Morro todas e tantas vezes: espada no peito, abandonada na ilha, caindo do penhasco. E nunca. Permaneço no oco de mim, desfiladeiros de histórias que se fazem em angústia. Sempre, sempre, sempre a solidão de uma cabeça cindida do corpo. O desejo de saber em desejos do outro e só encontrar os caminhos de volta. Esperar a oferenda de amores que morrem em minha mão, um após o outro. Morrem todos tão jovens e eu nunca sei o que poderiam ser. Lá fora, eu espero, o fio na minha mão indica o caminho da desilusão: quando voltar do espelho, verei a gratidão fazer morrer o que prometia ser eterno. Quando todas as histórias forem esquecidas, saberei: eu sou em labirintos.

Tu, Personagem

Quero. Quero que meus dedos sejam pincel e escrevam no teu corpo as letras do meu desejo. Quero fazer, da saliva, tinta, desenhando os indecifráveis signos da fome no ventre. Quero as narrativas sem sentido e as palavras cantadas como gemido na tua boca. Quero fazer do teu corpo mata-borrão do prazer que me sei dar. Quero deitar a cabeça no teu colo como se fosses livro e sugar-te como se ler fosse em quente sabor na língua. Quero as histórias do prazer em tatuagens passageiras pra começar a reinventar-nos logo a seguir do gozo. Quero esquecer os imperativos, a primeira pessoa, o verbo querer e deixar-me, pele, papel, pincel e letra, tudo eu, tudo teu. Até que, de novo, seja eu a escrever: quero.

domingo, 24 de junho de 2012

A resposta de Elizabeth

- Em casos como este creio que é costume estabelecido exprimir a nossa gratidão pelos sentimentos que nos são confessados, embora esses sentimentos não possam ser retribuídos. É natural que essa gratidão seja sentida. E se a experimentasse agora eu lhe agradeceria.Mas não posso desejar e nunca desejei a sua boa opinião, e aliás o senhor a confere a mim contra a sua vontade. Sinto muito ter de causar decepção a qualquer pessoa, não o faço de propósito, entretanto eu espero que ela seja de curta duração. Os sentimentos que, segundo o senhor me disse, o impediram durante muito tempo de reconhecer a sua afeição, irão socorrê-lo facilmente depois da presente explicação.

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Orgulho e Preconceito é um dos meus livros favoritos, eu adoro a mudança interna que o casal protagonista precisa fazer para alcançar o seu final feliz. É um livro com muitas matizes, mas eu fiz questão de transcrever as passagens que relatam a censura mútua ao comportamento dos dois porque acredito que o que acontece no livro é atemporal. Elizabeth e Darcy não são vítimas de um plano arquitetado por outra pessoa para separá-los (o relacionamento dos dois é desconhecido dos outros personagens até as páginas finais). Eles são vítimas de si mesmos, dos seus preconceitos, suposições e enganos. Entre outras razões, ela recusa o seu pedido de casamento porque ele afirma amá-la contra as suas convicções, contra a sua razão e contra a sua própria vontade. Eu duvido muito que o amor de Darcy e Elizabeth pudesse ser resolvido com a mesma facilidade retratada no livro, o ponto de ruptura dos dois é grande demais. A autora encontra a solução punindo ambos por seu comportamento e a partir da humilhação e sofrimento, eles conseguem superar as suas próprias fraquezas e concretizar o seu amor. O livro foi publicado em 1813 e, embora retrate uma sociedade que não existe mais, as impossibilidades de Elizabeth e Darcy acontecem todos os dias, em vários relacionamentos. Quantas vezes não perdemos a chance de viver uma história de amor porque fomos escravos do nosso orgulho, da nossa arrogância ou dos nossos próprios conflitos? Em quantos momentos da vida não deixamos algo importante para trás porque não relativizamos a história do outro e não nos descolamos da nossa própria história? Sei que as relações humanas são complexas, que é impossível retirar o contexto no qual estamos inseridos, mas eu gosto de pensar que poderíamos viver as nossas histórias de amor apenas fechando os olhos e fazendo a seguinte pergunta: o que o seu coração realmente sente?

Elizabeth e Darcy (3)

Darcy ficou sentado durante alguns instantes e depois, levantando-se, pôs-se a caminhar pela sala. Elizabeth ficou espantada, mas não disse nada. Depois de um silêncio de alguns minutos, aproximou-se agitado e disse:

- Em vão tenho lutado comigo mesmo; nada consegui. Meus sentimentos não podem ser reprimidos e preciso que me permita dizer-lhe que eu a admiro e amo ardentemente.

O espanto de Elizabeth não teve limites. Olhou fixamente para ele, enrubesceu, duvidou e ficou calada. Mr. Darcy considerou a atitude como um encorajamento e imediatamente fez-lhe a confissão de tudo o que sentia e desde há muito vinha sentindo. Falou bem, mas através das suas palavras outros sentimentos, além dos do coração, podiam ser percebidos. E ele não falava com mais eloquência da sua ternura do que do seu orgulho. O sentimento da inferioridade de Elizabeth, do rebaixamento que aquele amor constituía, os obstáculos de família que a razão sempre opusera à inclinação, foram descritos com um ardor que parecia devido ao seu amor-próprio ferido, mas que recomendava muito pouco as suas pretensões.

AUSTEN, Jane. Orgulho e preconceito. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Tradução de Lúcio Cardoso).

sábado, 23 de junho de 2012

Elizabeth e Darcy (2)

O dono da casa sentiu sinceramente que elas tivessem de partir tão cedo e procurou repetidamente persuadir Miss Bennet de que a partida não era prudente, que ela não estava ainda restabelecida. Mas Jane era firme quando sabia qual era o seu dever. Mr. Darcy ficou satisfeito. Elizabeth já se demorara bastante em Netherfield. Ela o atraía mais do que ele desejava. E Miss Bingley mostrava-se pouco gentil para com ela, e mais provocante para com ele do que de costume. Resolveu ajuizadamente mostrar-se mais cuidadoso e esconder os seus sentimentos. Não queria dar nenhuma esperança a Elizabeth e sabia que a sua atitude durante o último dia teria uma importância decisiva neste sentido. Firme neste propósito, quase não lhe dirigiu a palavra durante todo o sábado. E, embora ficassem sozinhos durante meia hora, não despregou os olhos do livro e nem uma só vez olhou para Elizabeth.

AUSTEN, Jane. Orgulho e preconceito. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Tradução de Lúcio Cardoso).

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Elizabeth e Darcy (1)

Elizabeth, que folheava os cadernos de música que estavam sobre o piano, não pôde deixar de observar que os olhos de Mr. Darcy se voltavam frequentemente na sua direção. Não podia supor que fosse um objeto de admiração para um homem tão importante. No entanto, achava estranho que ele a estivesse olhando por antipatia. Acabou imaginando, entretanto, que o que lhe atraía era algo errado e repreensível que existia na sua pessoa, e que contrastasse, aos olhos de Mr. Darcy, com as qualidades dos outros presentes. A suposição não a penalizou. Darcy lhe era indiferente demais para que desejasse a sua aprovação.

Depois de tocar algumas canções italianas, Miss Bingley atacou uma alegre canção escocesa e pouco depois Mr. Darcy, aproximando-se de Elizabeth, disse-lhe:

- A senhora não se sente inclinada a aproveitar esta oportunidade para dançar? - perguntou ele.

Ela sorriu, porém não disse nada. Ele repetiu a pergunta, um pouco espantado com o silêncio dela.

- Oh - disse Elizabeth -, ouvi o que perguntou antes, mas não pude determinar imediatamente o que deveria responder. O senhor queria que eu o fizesse afirmativamente para ter o prazer de desprezar as minhas preferências; mas eu sempre gosto de perturbar esses estratagemas e roubar às pessoas o lance que premeditam. Resolvi portanto responder-lhe que não desejo absolutamente dançar; e agora despreze-me, se ousar.

- Asseguro-lhe que não ouso.

Elizabeth, que tencionava ofendê-lo, ficou espantada com a amabilidade. Mas havia no tom dela um misto de doçura e de malícia que dificilmente ofenderia alguém. E Darcy nunca se sentira tão fascinado por uma mulher como estava por aquela. Acreditava realmente que, se não fosse a inferioridade das relações de Elizabeth, ele se encontraria realmente em perigo.

AUSTEN, Jane. Orgulho e preconceito. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Tradução de Lúcio Cardoso).

quinta-feira, 21 de junho de 2012

D. Maricota anda pensando muito!

- Sabe, mamãe, eu queria muito voltar a ser um bebê! disse D. Maricota pensativa.

- Um bebê, filha? Mas você está tão crescida, bonita, esperta... Por que você quer voltar a ser um bebezinho? perguntei.

- Porque se eu voltasse a ser bebê, ia dormir no colo, papai ia estar de volta, a gente ia cuidar dele e ele não ia morrer! respondeu ela.

- Ahnn... É, filha, ia ser muito bom mesmo!

Só agora eu entendi o desejo constante de D. Maricota em ser um bebê. Foi apenas o jeito que ela encontrou para dizer que sente saudades do tempo em que era feliz.

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D. Maricota decidiu por conta própria sair das aulas de natação na escola e entrar no judô. Sabe quando a mãe deixa o filho fazer alguma coisa porque sabe que vai dar errado? Para que gastar horas de argumentação se basta esperar algumas semanas para dizer "eu sabia que não ia dar certo, eu avisei"? Pois é, só que deu certo e a mãe ficou com cara de bunda. Ainda não convencida, fui conversar com a professora de judô para saber como ela estava, se valia mesmo a pena etc. A professora deu uma gargalhada e disse que quando viu D.Maricota na aula se espantou muito e tinha certeza de que ela não aguentaria. - Ela é tão frágil e magrinha... disse. Acontece que D. Maricota adora os exercícios, escolhe os parceiros de luta e até já derrubou alguns (oh, céus, eu preciso de provas científicas para acreditar nisso! Cadê foto? Cadê vídeo? Cadê CSI?). Quando cheguei em casa, fui contar os elogios da professora para D. Maricota. Ela ouviu e disse distraída:

- Sabe, ela não é especialmente uma professora. É um professor, mas nós a chamamos de professora!

Obviamente, ela estava se referindo ao aspecto ambíguo da sexualidade da professora. Sem preconceito ou qualquer outra observação. É um professor que chamamos de professora. Simples assim! E depois as pessoas se preocupam com a opção sexual dos outros porque não sabem o que dizer aos filhos. Nós não explicamos nada aos nossos filhos, eles é que nos explicam!

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Ponto de ruptura

Uma coisa que aprendi desde cedo é que cada um sabe quais são os seus próprios limites. Não existe um padrão, o que é suportável para um pode não ser para outro, da mesma forma que uma determinada atitude pode ser suportável por um tempo e depois não ser mais. Cada relacionamento é uma combinação única dos pressupostos e atitudes de duas pessoas. Sendo assim, coisas que muitas vezes são inaceitáveis em uma relação, podem funcionar em outras. A questão é que justamente por não sabermos quais são os limites do outro (e muitas vezes, nem os nossos), é preciso ter cuidado quando esticamos demais a corda em um relacionamento. Os conflitos só devem ser levados ao extremo quando realmente estamos dispostos a pagar para ver. Se não temos certeza do que queremos ou se temos dúvidas sobre o que podemos ou não suportar, a melhor estratégia é se afastar por um tempo, colocar as ideias no lugar e só então discutir a relação com franqueza. No início do meu relacionamento com o Sr. T, o meu nível de estresse era sempre um tom acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde, bastava um conflito, um desentendimento qualquer, para eu ameaçar terminar tudo. Um dia, bem calmo, ele me disse que na próxima vez que eu ameaçasse ir embora, ele é quem iria. - Existem certas coisas que só devem ser ditas quando temos certeza do que queremos. A palavra tem poder e uma vez que pronunciada em voz alta, nunca mais tem volta. Pense bem no que você realmente deseja antes de dizer. Na verdade, o que ele estava dizendo é que o amor não pode ser tão frágil para ser ameaçado a cada instante, em cada crise. A premissa básica do amor é o desejo de ficar junto, resolver os problemas e superar as dificuldades. É acreditar que aquele amor é para sempre. Se é tão fácil de ser deixado, não é amor, é apenas um simulacro da Matrix...

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Cuidar e amar

Ao longo da vida, se tivermos bastante coragem, vamos construindo os nossos próprios valores e priorizando o que nos parece importante em detrimento de outras coisas que a sociedade valoriza. Você pode escolher para a sua vida ser e não ter. Como são decisões internas e dizem respeito somente à sua vida, ninguém tem nada a ver com isso, embora nem sempre isso aconteça na prática. Eu fico genuinamente chocada quando me deparo com os valores de outras pessoas explodindo na minha cara ao gerar algum tipo de intervenção na minha vida. Com a morte do Sr. T, a minha decisão de priorizar os sentimentos e viver melhor tornou-se ainda mais forte, pois vi de perto que nada do que temos nos serve na hora da morte. Equilibrium, é só o que eu preciso. O que prevalece nas minhas prioridades é a possibilidade de amar as pessoas, sem máscaras, sem subterfúgios e sem ambiguidade nos desejos. E amar significa cuidar, mesmo nas pequenas coisas, querer que o outro esteja bem, independente de nossa presença. Amar transcende, não aprisiona. Se é mesquinho e pequeno, não é amor. As pessoas sempre querem olhar para os relacionamentos (seja amizade, paixão, pais e filhos) e identificar o que cada um está recebendo em troca. O que cada um proporciona ao outro? Carinho? Compreensão? Bem-estar? Uma bela casa? Viagens? Parece que os sentimentos nunca traduzem a completude de uma relação, se você diz que o fulano ou fulana é um herdeiro, um executivo com salário de zilhões ou se é uma mulher curvilínea com uma beleza incomum, as pessoas respondem na hora com ar compreensivo: ahhh... Se você responde que está feliz no relacionamento apenas porque "ele me faz bem" ou "ele me liberta e me faz feliz", você está mentindo, é cega, louca, vulnerável, presa fácil... Amor não é sinônimo de sofrimento, mas ninguém deve evitar amar para não sofrer. As relações afetivas são marcadas pela finitude, sofremos com a perda dos nossos filhos quando eles começam a crescer e ir embora, com a morte de quem amamos ou mesmo com uma separação simples. A atitude mais sensata é sempre colocar na balança os sentimentos e avaliar se as perdas compensam o que ganhamos afetivamente. Enquanto compensar, o amor vale a pena e quando a balança virar, é hora de estar pronto para recomeçar!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Confiança

Confiança é algo muito complexo nos relacionamentos e assume diversas perspectivas diferentes em cada situação. Confiamos no outro para cuidar de nós, para sustentar a casa, para ter uma carreira, para adivinhar os nossos pensamentos, para satisfazer os nossos desejos e, sobretudo, para não nos trair. Assim, confiança assume um leque de situações que variam bastante e dependem do nosso olhar naquele exato momento. As pessoas costumam dizer que "fulano traiu a minha confiança", mas eu duvido bastante que todos confiem de verdade no outro. Eu tenho uma amiga que quando o marido sai com os filhos, ela liga várias vezes para saber se está tudo bem, se foram ao lugar certo, se comeram, enfim, se estão vivos! O sujeito se irrita por ser tratado como um demente, com razão. A confiança se estabelece (ou não) ao longo da convivência e não é algo criado no início de uma relação. Nós vamos deliberadamente testando o outro durante o período inicial da relação até que em um dado momento acreditamos que podemos confiar plenamente naquela pessoa. Ninguém confia de imediato, quando muito projetamos as nossas expectativas em alguém, mas confiar mesmo... Ah, confiar é pular da ponte, como diria o Sr. T. É se jogar no nada, com todos os motivos do mundo para pensar que tudo aquilo vai dar errado e que o futuro será um desastre. É acreditar no amor do outro apenas porque tem fé. Parece absurdo, mas se não temos uma evidência científica para provar que alguém realmente nos ama e tudo que nos resta são apenas indicativos, o amor pode mesmo ser uma questão de fé... Se alguém nos dá todas as provas de lealdade e honestidade para confiarmos, é moleza. O difícil é confiar sem ter qualquer motivo para isso. Na verdade, não precisamos confiar no outro. Se ele mente e nos decepciona, o problema é dele e não meu. Precisamos confiar é no amor que sentimos, na imensidão do sentimento, na certeza do nosso desejo, mas talvez esse seja o grande passo que não queremos (ou podemos) dar.

sábado, 9 de junho de 2012

As resoluções de Dona Maricota

Dona Maricota está com dificuldades para aprender a ler, mas estamos todos empenhados em fazer com que ela supere os obstáculos e ganhe autonomia no seu processo de aprendizagem. Mamãe acha que ela perdeu um bom tempo em relação aos seus colegas enquanto tentava processar os acontecimentos em sua vida. Estava fisicamente presente na escola, mas a cabeça pairava em outros lugares. Uma das coisas que mais me surpreendeu nela foi o fato de que ela se tornou insegura. Ficou com medo de tudo, aranhas, formigueiros, siri na praia, ondas do mar, barulhos, trovão... Superar os medos não tem sido um processo fácil e tenho a impressão de que a hora que ela recuperar a coragem perdida, as questões cognitivas também vão se resolver. Nas últimas semanas ela tomou algumas decisões importantes por sua própria iniciativa. Convidou uma amiga para passar o dia aqui em casa, combinou com a mãe da menina, organizou a programação e só me comunicou o seu planejamento com um ar de "não estrague tudo, por favor". Deu tudo certo e ela ficou muito mais feliz e segura. Resolveu que queria sair da natação e começou a fazer aulas de judô na escola. Eu tinha certeza que seria um desastre porque ela é muito frágil, mas a professora achou ótimo e todo mundo na escola apoiou. Agora ela quer estudar inglês, só fala nisso e conta os dias para começar as aulas. Eu continuo observando de perto, comprando jogos de palavras para que ela exercite a leitura, contando histórias e ajudando no que eu posso. Entre a angústia e as certezas, vamos caminhando um pouco mais devagar do que eu gostaria, mas com tranquilidade de quem quer acertar sempre. Ela tem uma grande habilidade na cozinha, ontem ela fez um pavê delicioso praticamente sozinha e ficou muito orgulhosa com o resultado. São essas pequenas coisas da vida que nos proporcionam uma felicidade imensa e deveriam ser registradas e resgatadas pelo resto de nossa existência.