segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Como partir um coração

Acabei de assistir um filme bem legal chamado Then She Found Me - Quando me Apaixono, baseado no romance de Elinor Lipman. Fui correndo procurar o livro porque os livros sempre são bem melhores que os filmes, mas não encontrei aqui no Brasil. O filme tem um elenco de peso, é estrelado e dirigido por Helen Hunt, com atuações maravilhosas de Colin Firth, Matthew Broderick e Bette Midler. É possível enxergar vários focos no filme, o relacionamento central é sobre o encontro de uma filha com a mãe biológica completamente diferente dela. Eu gostei porque é um filme sobre traição, não apenas a traição nas relações amorosas, mas sim a traição do ser humano. A protagonista April é traída pela mãe biológica, pelo marido que simplesmente a abandona e até mesmo por Deus, ao mesmo tempo em que ela mesma trai outras pessoas. Seria mais realista dizer que a vida nos trai o tempo todo... No final, em uma cena maravilhosa, ela diz para o homem que ama que sempre irá magoá-lo, é impossível não magoar o outro porque ninguém pode prometer que nunca vai deixar de amar outra pessoa, que não vai mudar, que não vai ser egoísta em algum momento ou coisa parecida. Foi justamente esse ponto que me atraiu no filme. Eu sempre pensei que só podemos trair o nosso amor no sentido clássico, isto é, relacionando-se com outra pessoa, mas existem infinitas formas de traição. É possível destruir um coração bom em pequenas mágoas do cotidiano, na indiferença e no esquecimento. Na minha percepção, a perda sempre esteve associada ao rompimento, separação, divórcio etc. Enfim, o rompimento clássico dos relacionamentos com muitos dissabores e incompreensões nos dois lados. O que eu não sabia é que a morte também é capaz de partir um coração...

domingo, 30 de janeiro de 2011

A dieta da maçã

Quando eu conhecei o Sr. T, eu vivia no Rio de Janeiro e tinha uma alimentação natureba. Comida integral, pouca proteína e muitas frutas, legumes e verduras. A minha fruteira na cozinha vivia cheia e eu procurava manter uma grande variedade de frutas em casa. Eu estava bem magra na época e o Sr. T tinha um trabalho infernal, que incluía pouco tempo para as refeições e quase sempre comida de péssima qualidade. Como ele não conseguia se desvencilhar do trabalho para ter uma alimentação mais equilibrada, a alternativa foi trocar o almoço por frutas, mais especificamente, maçãs. Nós estávamos morando em cidades diferentes na época, então, tínhamos como hábito conversar na hora do almoço todos os dias enquanto comíamos maçãs. Na minha família todos achavam um absurdo ele ter mudado os hábitos tão rapidamente, a minha mãe sempre dizia que o "coitado estava emagrecendo demais". Na minha arrumação recente, encontrei várias fotos dele de alguns meses antes de nos conhecermos. Ele não estava somente fora do peso, estava muito inchado, a retenção de líquido era evidente. Olhando as fotos de algum tempo depois de estarmos vivendo juntos, ele parecia outra pessoa. Não estava apenas mais magro, mas tinha um aspecto muito mais saudável (além de bonitão!). Nós não conseguimos manter a alimentação natureba por muito tempo, mas ele continuou muito bem. É como disse uma professora minha espantada ao saber da partida dele: - Mas ele parecia tão saudável! Eu também pensava isso, professora, eu também pensava isso...

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A outra metade

Quando eu tinha dezesseis anos, viajei nas férias de verão para a casa de praia de uma grande amiga. Durante as férias, eu conheci o bisavô da minha amiga, um velhinho bacana que vivia cercado de livros e por isso mesmo era considerado maluco pelo resto da família. Ele adorava filosofia, conversou muito conosco sobre Platão e as almas gêmeas (quando Zeus dividiu os homens e tornou o propósito da nossa vida encontrar a alma gêmea). Até aqui, tudo normal, se é que podemos considerar normal um senhor de quase noventa anos conversar sobre filosofia com duas adolescentes. Quando estávamos nos despedindo, ele me puxou para o canto da sala e disse muito sério: - Não adianta insistir com a metade errada, se você não encontrar a sua alma gêmea, as peças sempre vão ficar arranhando e nunca vão se encaixar! Naquele momento percebi que o bom velhinho era doido varrido mesmo, fui embora e esqueci a história. Quando encontrei o Sr. T, ele me contou a história de Platão novamente (não podemos esquecer que a formação do Sr. T era em direção teatral) e disse ter certeza de que tinha encontrado a outra metade. Ele tinha tanta certeza disso que quando eu brigava com ele e dizia para arrumar outra pessoa, ele sempre me respondia com um olhar triste: - Eu não vou encontrar outra pessoa, eu já encontrei e você é a minha última oportunidade de ser feliz. Não, gente, eu não estou exagerando, ele dizia isso mesmo! Exatamente como o bisavô disse, eu fiquei anos a fio "arranhando" com a metade errada e, por isso mesmo, tenho certeza de que encontrei mesmo a minha outra metade. Apesar da tristeza de não ter mais a sua presença ao meu lado, sinto um enorme alívio por ter tido a oportunidade de encontrá-lo. Afinal, a minha busca terminou!

sábado, 22 de janeiro de 2011

Por uma vida menos ordinária

Hoje consegui terminar a arrumação do malfadado quartinho! Foram duas semanas com muita alergia, dores nas costas e um chororô sem fim que interrompia a faxina a cada meia hora. De todas as formas de comunicação, o texto escrito ainda é o que mais me impacta. Parece incrível, mas não sucumbi ao perfil imagético da minha geração. Um bilhete me comove muito mais do que uma foto ou um vídeo. Assim, remexer na papelada do Sr. T me provocou uma angústia enorme, principalmente ao ler as suas anotações feitas à mão. Encontrei fotos, exames, reportagens de jornal, textos, documentos, papéis velhos e livros. Muitos livros. Eu pensava que a maior quantidade de livros era minha, mas descobri que a maior parte do acervo que temos em casa pertencia ao Sr. T. São muitos livros sobre teatro e literatura, alguns muito antigos (penso que são verdadeiros clássicos que nem são mais editados). O mais difícil na separação dos papéis é pensar no que será importante para Dona Maricota daqui a alguns anos. Separar a papelada pensando em quais documentos traduzem melhor a vida do Sr. T para os olhos dela no futuro, não foi uma tarefa fácil. O que ela gostaria de saber? Que interesses ela poderá ter? Vai querer saber sobre a faculdade do pai? Sobre a sua vida política? Sobre o seu trabalho como escritor? Tentei me colocar no lugar dela e pensar o que eu gostaria de saber se eu tivesse apenas uma lembrança distante do meu pai. Me deparei com tantos trabalhos, prêmios, discursos, textos, planos para o futuro... Depois de ler tudo aquilo, só pude pensar uma coisa: quanto desperdício, quantas coisas ele ainda poderia fazer! A sensação de impotência e inutilidade é quase insuportável, mas pensei na música do Lobão: é melhor viver dez anos a mil do que mil anos a dez...

sábado, 15 de janeiro de 2011

O lugar mais perigoso do mundo

Como tudo é relativo, o lugar mais perigoso do mundo está bem perto da minha cozinha, basta andar poucos passos. É o quartinho de bagunça, no qual eu guardo livros, papéis, documentos, ferramentas e... lembranças! Lá está a papelada do Sr. T, os seus livros, cartas, documentos, textos, enfim, todos os registros da sua vida. No começo, a solução foi tirar da minha vista tudo que pudesse avivar as lembranças. Como eu não podia mexer em nada, também não podia me desfazer e fui empurrando para o tal quartinho todas as coisas que estavam espalhadas pela casa. Estou aproveitando as férias para colocar ordem na casa, arrumei o meu armário na semana passada e agora só falta o bendito quartinho. Eu começo a arrumação animada, tipo "hoje vou dar um jeito naquela bagunça" e já consegui tirar um saco enorme de lixo de lá (só da minha papelada, é claro!). O problema é que quando eu começo a olhar cada papel, cada texto, cada foto, vou murchando como um balão, a angústia surge de forma intensa e nunca consigo concluir o trabalho.Ontem eu me dei conta de que, neste momento, o meu quartinho é o lugar mais perigoso do mundo. Acho que vou precisar de reforços para enfrentar mais esse desafio...

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

O canto da sereia

Eu conheci o Sr. T em uma reunião de trabalho. Eu estava representando a minha empresa que ficava no Rio e meu papel naquele dia era apresentar os cursos da Educação Básica para adultos que utilizavam sites como apoio. Eu já tinha feito a mesma coisa várias vezes, em grandes empresas e em diferentes lugares. Nunca tinha vindo ao Nordeste e não tinha qualquer expectativa positiva em trabalhar nos cafundós do país. Eu era essencialmente urbana, criada em cidade grande, cosmopolita e modernosa, o que eu poderia encontrar de interessante ali? Pois é, naquele dia que mudou a minha vida para sempre, eu fiz uma apresentação para umas trinta pessoas, gestores e coordenadores das escolas e, obviamente, o Sr. T estava na plateia. Então, aconteceu algo muito estranho: eu cantei como uma sereia, as palavras não reverberavam na sala, elas flutuavam como uma música e o tempo parecia que tinha parado. O efeito não foi apenas no Sr. T, as pessoas na sala ficaram me olhando admiradas, como se estivessem olhando para uma criatura mágica, me deixando completamente constrangida. Não sei o que aconteceu naquele dia, mas vou lembrar para sempre daquela sala calorenta e cheia de móveis velhos na qual o Sr. T me lançou o primeiro olhar apaixonado. Sim, foi ali que ele foi enfeitiçado, ou melhor, nós dois fomos enfeitiçados porque depois deste momento nada mais foi igual. Algum tempo depois ele me disse que eu era uma sereia ou bruxa e que tinha que ter cuidado com a minha forma de usar a voz. Claro que não existe nenhuma evidência científica nessa história e eu nem deveria estar contando uma maluquice como essa. Só estou registrando aqui porque faz parte da minha lembrança, mas a última vez que senti algo parecido foi no meu concurso para professora. Na dúvida, eu sempre tenho cuidado quando sinto algo estranho no ar e mudo a entonação rapidamente. Afinal, nunca sabemos quem está nos ouvindo...

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A reforma da natureza, by Mariazinha

É inevitável que as festas de fim de ano provoquem as nossas lembranças e considerando tudo o que passamos, penso que foi até melhor do que as minhas expectativas. Mariazinha sentiu saudades e logo depois do Ano Novo resolveu promover uma reforma, irritada com a própria ladainha do "estou com saudade do papai" de sempre.


- Eu não acho certo não poder mais ver as pessoas que foram para o céu. Por que a pessoa que vai para o céu não pode vir aqui um pouquinho, mamãe? Só porque morreu, é?
- É filha, mas é assim, não se pode ver a pessoa nunca mais.
- Mas não está certo mamãe, a pessoa pode vir ver a gente e depois volta para céu. Não precisa ficar para sempre, é só para a filha poder ver. Querem que a filha não veja nunca mais, é? A pessoa fica triste assim! A filha fica triste!
Tom do diálogo: alguns decibéis de irritação. Comentário da mãe para acalmar a filha:
- Você tem razão, filha. Você tem razão...

domingo, 2 de janeiro de 2011

Um fio de esperança

Eu esperava ficar deprimida, tão inconsolável que as tarefas do cotidiano seriam um peso que eu não poderia suportar e eu me trancaria no quarto por semanas sem ânimo para nada. Esse era o pior quadro que eu poderia imaginar para quem perde uma pessoa querida, mas não é bem assim que as coisas acontecem. É pior. Eu não esperava ter crises de ansiedade, angústia, palpitações e suores. Nunca me falaram sobre os sintomas físicos e a dor que eu sentia nas costelas nas primeiras semanas era tão grande que eu procurei um cardiologista e outros especialistas, em busca de um mal real ou imaginário. Eu não imaginava que continuaria respirando, trabalhando e vivendo porque não existe outra alternativa, você simplesmente precisa continuar seguindo em frente e ninguém pergunta se você pode ou não fazer isso. Nas primeiras semanas eu só pensava em como eu iria viver, que decisões tomar, o que fazer... Não podia nem pensar em fazer nada de diferente da minha rotina, as pequenas tarefas do cotidiano já eram um desafio enorme, imagine enfrentar novos desafios! Evitei os compromissos que exigiam conhecer novas pessoas, viagens ou qualquer outro tipo de atividade estressante. Eu que era tão corajosa e destemida conheci o medo, um medo enorme, espectral, quase um Nazgûl de Tolkien! Aos poucos fui buscando vencer os meus medos, sempre receosa em falhar. Comecei aceitando compromissos mais próximos que exigiam viagens curtas (sempre acompanhada) e percebi que podia controlar a dor ao respirar por algumas horas. No final de outubro fiz uma viagem sozinha à trabalho. Foi uma viagem complicada que exigiu muito de mim, mas foi o primeiro passo para eu voltar a respirar. Criei coragem e aceitei outro convite para o Rio de Janeiro. Encontrei uma velha amiga, vi o meu afilhado grande e bonito e consegui respirar mais ainda. Esse processo tão doloroso me mostrou que a esperança é um fio que precisamos tecer com cuidado e não deixar nunca que ele arrebente. O fio de esperança para este ano é poder retomar a minha vida com a coragem e tranquilidade que sempre tive, concentrando todos os meus esforços no que é realmente importante: cuidar da minha filhinha e respirar sem sentir aquela dor fininha no fundo do peito. É a esperança de estar, aos poucos, melhorando...