domingo, 1 de abril de 2012

O cotidiano

Ontem eu fui caminhar na praia sozinha e fiquei durante vários minutos observando uma família que estava ao meu lado. O pai tinha uma aparência excêntrica: cara de intelectual, negro, barbado, óculos redondos com armação de metal e dreads que chegavam à cintura. A esposa tinha um sotaque paulista, não era muito jovem e ficou meio incomodada com os meus olhares (provavelmente pensando que eu estava paquerando o marido). Eu já tinha a resposta pronta na ponta da língua: não é nada disso que a senhora está pensando... Os dois chamavam a atenção por ser um casal fisicamente diferente e os dois filhinhos pareciam as coisas mais fofas do mundo, o tipo de criança que dá vontade de apertar. Observando a família se divertindo na praia, fiquei com raiva de mim mesma por ainda sentir o coração apertado quando sou obrigada a reavivar as minhas lembranças. Queria não me importar mais, fazer de conta que o tempo levou as lembranças e desapareceu com os meus sentimentos. Eu esqueço de coisas que aconteceram recentemente, esqueço dos meus compromissos, esqueço o dever de casa de D. Maricota, esqueço que tenho que comprar leite no mercado, esqueço quase tudo e ao mesmo tempo não esqueço de nada... Não me lembro de quase nada do meu primeiro casamento, o sujeito continua por aí e é como se não existisse na minha vida. Está feliz, doente, triste ou rico? Absolutamente não me interessa, sou tão indiferente como se fosse uma pessoa estranha. Morto e enterrado para sempre! Porém, com a pessoa que morreu de verdade, é diferente. As lembranças da minha vida com o Sr. T nunca estão esmaecidas ou apagadas e penso que isso acontece porque eu não vivi um cotidiano com experiências que me fizessem substituir as minhas memórias. Quando eu vou à praia, ao banco, ao restaurante japonês, ao Fisl ou em outros lugares que estabelecem uma relação com o passado, sempre estou sozinha. Eu relembro essas vivências sozinha e a sensação de falta ou incompletude surge com intensidade. Preciso criar novas experiências, construir outros cotidianos possíveis para reescrever a minha história. Está mais do que na hora de fechar as lacunas e fazer movimentos concretos para encontrar os pontos de ruptura com o passado.