segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Drácula, de Bram Stoker

A questão central do filme Drácula, de Bram Stoker, não é explicitar o terror, apesar do tema e das cenas de suspense em vários momentos. Dirigido por Coppola, o filme é uma história de amor sofrida, complexa, angustiante e violenta. O mérito do texto de Stoker é justamente desvelar um tipo de amor que embora intenso e visceral, não é um amor belo ou digno. Vlad é um monstro (não importa a aparência que mostre) que age destruindo vidas em busca de alcançar o seu propósito: reconquistar o seu amor do passado, Mina. O filme (assim como o livro) nos provoca uma inquietação enorme quando percebemos que Mina se sente atraída por Vlad e vai em sua direção, apesar de todos os avisos e ameaças. A ausência de humanidade e compaixão de Drácula está muito bem representada no ataque que ele desfere sobre a melhor amiga de Mina (a cena do monstro sobre ela no jardim é perturbadoramente erótica). Mesmo assim, Mina revela o seu amor, deixando o leitor/espectador perplexo sem conseguir entender como ela é capaz de amar um monstro. Mina não é enganada, ela sabe a verdade e vê Drácula com suas diversas aparências, inclusive como um ancião e demônio. Em nenhum momento ela parece repugnada com a aparência dele ou com os seus gestos, tudo que vemos nos olhos de Mina é amor e desejo. Isso sim, é arrepiante... A relação de Vlad/Drácula e Mina pode ser explicada por uma história passada e pelo destino, muito mais do que pela escolha ou vontade dos dois. Os dois estão presos em sua própria história e precisam encontrar um fim para, finalmente, se libertarem. Na minha percepção, não é o amor de Mina por um monstro que me inquieta. O que me deixa inquieta é a possibilidade de um monstro realmente amar alguém...

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Meu Tio o Iauaretê

O Sr. T costumava perder um tempo enorme me observando e analisava os meus movimentos sempre que tinha oportunidade. Uma vez, eu estava me vestindo para sair e ele me observava deitado na cama. Ele parecia pensativo enquanto acompanhava os meus movimentos simples, como passar creme no corpo, enfiar um vestido pela cabeça, calçar uma sandália de salto alto... De repente, ele disse:

- Agora eu já sei! Você é a onça!

- Como? perguntei assustada.

- A onça! Você é a onça do conto do Guimarães Rosa, Meu Tio o Iauaretê.

- Hum... Não me lembro da história.

- É uma história linda de amor. Ele caça uma onça o tempo todo e no final se apaixona por ela. O amor dele é tão grande que ele vira onça também.

- Nossa! Não sei bem se é uma história de amor...Por que eu pareço a onça?

- Você se movimenta como ela e a cada dia que passa, eu quero me transformar em onça também para ser um só com você.

Alguns dias depois, ele trouxe o conto para que eu pudesse ler e entender a percepção dele sobre nós. Muito mais do que o contraponto mulher/onça, ele estava falando sobre sedução. O conto é sobre a sedução levada ao limite, até o combate com o seu objeto de desejo e a sua escolha entre perecer ou resistir. Encontrei uma excelente análise da sedução do texto de Oliveira (2009): "os termos usados por Guimarães Rosa para definir o tio do narrador – Iauaretê ou Jaguaretê – vêm do tupi yaware’te, que significa “onça verdadeira”. A ficção trabalha em sua função mimética e reproduz em narrativa o que o leitor vivencia: o espanto constante com a necessidade de escolher entre o que ele quer acreditar que seja verdade e o que ele prefere entender como mentira. A armadilha foi montada: em meio a falsas intenções e aproximações com a verdade, o leitor se acha seduzido pela obra. Mais uma vez a arte exerce a sedução da mímesis, através do pseudos". Eu ainda iria além, as percepções de verdade ou mentira são construídas a partir do jogo de sedução e assumem diferentes formas durante o processo. Não existe verdade no conto de Guimarães Rosa, buscar a verdade significa se perder ainda mais no labirinto das intenções e dos pseudos. Ao perceber que somente através das percepções será possível sair do labirinto, cabe a cada um estabelecer as suas escolhas. A do Sr. T foi perecer diante daquele amor, transformando a sua forma humana em onça.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Algumas reflexões sobre o sofrimento

Uma das coisas mais importantes que aconteceu na minha vida depois da morte do Sr. T foi descobrir a minha total incapacidade de provocar sofrimento em qualquer pessoa. Lidar com a dor dos outros se tornou um fardo que eu não conseguia mais carregar. O meu maior desafio nos últimos anos foi lidar com o sofrimento da minha filha todos os dias por causa da falta do pai. Sei que é inevitável que causemos mágoas nas pessoas que nos cercam ao longo da vida, fazemos isso sempre, intencionalmente ou não. Muitas vezes os interesses dos outros se antagonizam com os nossos e mais uma vez alguém irá sofrer na equação da vida. Posso até entender (mas não aceitar) que alguém cause sofrimento em outra pessoa por um interesse específico: promoção, desejo, ambição, ciúme, inveja... Pior ainda é quando o sofrimento é causado de forma gratuita, apenas pela falta de empatia com o outro. A coisa mais importante que eu aprendi com o Sr. T durante a nossa (curta) vida em comum, é que só o amor faz tudo valer a pena. E para amar, é preciso realizar gestos de bondade e generosidade com o outro todos os dias. Não é possível impor sofrimento ao outro, não importa sob qual justificativa. Quando fazemos outra pessoa sofrer, principalmente de forma deliberada, não existe mais amor. Já descuidei do amor dos outros muitas vezes ao longo da minha vida. Hoje, não posso sequer pensar em ferir alguém. O grande problema na decisão de não magoar os outros é que você não pode ficar blindado e impedir que os outros magoem você. É como dirigir um carro, você pode ser um excelente motorista e não bater em ninguém, mas não pode impedir que alguém bata em você. Em casos assim, você pode se deixar levar pela amargura e pelo ressentimento ou pode optar por se libertar e entender que ninguém nesse mundo pode ser responsável por nossa felicidade ou infelicidade. O sofrimento ocasional (principalmente quando é causado por outras pessoas) não define quem você é e muito menos quem você quer ser.

sábado, 3 de novembro de 2012

Então, era tudo mentira?

A Nova Onda do Imperador é uma das minhas animações favoritas. Os diálogos são impagáveis e a dublagem brasileira (com Selton Melo e Marieta Severo) fez a nossa versão ficar melhor do que a original. Eu odeio filmes dublados, mas esse vale a pena. Cuzco é um imperador mimado e egoísta que quer construir o seu palácio de verão no morro onde Pacha (um camponês) mora. Depois de demitir Yzma, a conselheira real, ela tentar matá-lo, mas o veneno é trocado e Cuzco acaba sendo transformado em uma Lhama. Por acidente, ele é carregado para a casa de Pacha e exige que ele o leve de volta ao palácio, sem se lembrar que foi a Yzma que o transformou. Pacha exige que ele construa o palácio em outro lugar e Cuzco se recusa até perceber que não conseguirá voltar sem a ajuda do camponês. Pacha salva a vida de Cuzco e ele finge fazer o acordo até chegar bem perto do palácio, quando revela a sua traição ao se negar a ajudar Pacha que fica preso na ponte. O interessante é que Pacha (mesmo sendo bom e tranquilo) encheu Cuzco de pancada ao saber que ele o enganou. A briga dos dois é bem engraçada (é a figura que ilustra esse post) e os diálogos do filme são tão legais que encontrei várias comunidades e sites na rede que reproduzem trechos das falas dos personagens.

(Pacha) - Então, era tudo mentira?

(Cuzco) - Era! Ah, não, deixa eu pensar... Calma aí... Ah, sim, era tudo mentira!

(Pacha) - Você apertou a minha mão!

(Cuzco) - É, foi. Sabe o que é engraçado nesse negócio de apertar a mão? É que eu não tenho mão!

Moral da história para ser aplicada na vida real: nunca confie em uma lhama que quer apenas usar você!