quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Meu Tio o Iauaretê

O Sr. T costumava perder um tempo enorme me observando e analisava os meus movimentos sempre que tinha oportunidade. Uma vez, eu estava me vestindo para sair e ele me observava deitado na cama. Ele parecia pensativo enquanto acompanhava os meus movimentos simples, como passar creme no corpo, enfiar um vestido pela cabeça, calçar uma sandália de salto alto... De repente, ele disse:

- Agora eu já sei! Você é a onça!

- Como? perguntei assustada.

- A onça! Você é a onça do conto do Guimarães Rosa, Meu Tio o Iauaretê.

- Hum... Não me lembro da história.

- É uma história linda de amor. Ele caça uma onça o tempo todo e no final se apaixona por ela. O amor dele é tão grande que ele vira onça também.

- Nossa! Não sei bem se é uma história de amor...Por que eu pareço a onça?

- Você se movimenta como ela e a cada dia que passa, eu quero me transformar em onça também para ser um só com você.

Alguns dias depois, ele trouxe o conto para que eu pudesse ler e entender a percepção dele sobre nós. Muito mais do que o contraponto mulher/onça, ele estava falando sobre sedução. O conto é sobre a sedução levada ao limite, até o combate com o seu objeto de desejo e a sua escolha entre perecer ou resistir. Encontrei uma excelente análise da sedução do texto de Oliveira (2009): "os termos usados por Guimarães Rosa para definir o tio do narrador – Iauaretê ou Jaguaretê – vêm do tupi yaware’te, que significa “onça verdadeira”. A ficção trabalha em sua função mimética e reproduz em narrativa o que o leitor vivencia: o espanto constante com a necessidade de escolher entre o que ele quer acreditar que seja verdade e o que ele prefere entender como mentira. A armadilha foi montada: em meio a falsas intenções e aproximações com a verdade, o leitor se acha seduzido pela obra. Mais uma vez a arte exerce a sedução da mímesis, através do pseudos". Eu ainda iria além, as percepções de verdade ou mentira são construídas a partir do jogo de sedução e assumem diferentes formas durante o processo. Não existe verdade no conto de Guimarães Rosa, buscar a verdade significa se perder ainda mais no labirinto das intenções e dos pseudos. Ao perceber que somente através das percepções será possível sair do labirinto, cabe a cada um estabelecer as suas escolhas. A do Sr. T foi perecer diante daquele amor, transformando a sua forma humana em onça.

Um comentário:

  1. O amor nos transforma e vence barreiras que não compreendemos para ser torna eterno em nossos corações.

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