domingo, 30 de novembro de 2014

Titanic

Eu gosto muito das cenas em Titanic que mostram a Rose idosa e com uma coleção de porta-retratos que conta como foi a vida dela depois da tragédia do Titanic. As fotos mostram que ela aproveitou muito bem a vida e fez todas as coisas que Jack disse que ela deveria fazer. Ela andou a cavalo, pilotou um avião, virou atriz, se casou, teve filhos etc. Perder o seu grande amor no naufrágio não tornou Rose pequena e muito menos estática. O filme dá a entender que Rose viveu a vida intensamente, talvez porque teve muito cedo a certeza de sua efemeridade. Em alguns momentos, eu olho para as coisas que fiz nos últimos quatro anos e me sinto um pouco como Rose. Quando eu era jovem, o meu projeto de vida era viajar para conhecer o mundo. Essa foi uma das razões que me levou a estudar Geografia, mas a vida adulta me tornou medrosa e precavida. As desculpas eram as mais variadas: não vou gastar dinheiro com isso ou com aquilo, a prioridade é outra, tenho medo de ir para um país estranho etc. Durante mais de dez anos eu vivi apenas de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Fui ficando cinzenta, murchando como uma flor dentro de um vaso até encontrar o Sr. T e escolher mudar a minha vida. A nossa viagem para o Vale dos Dinossauros foi a viagem mais hilária e surreal que já fiz na minha vida. O meu maior medo era que a morte dele mudasse isso e eu voltasse a murchar dentro de um vaso, mas ele não transformou a minha vida, ele mudou a minha alma. Nada mais fica para amanhã e viver o presente é muito mais importante do que refletir sobre o ontem.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

As histórias de amor da vida

Por que será que estamos sempre prontos para procurar uma linda história de amor nos filmes, nos livros ou na vida dos outros, menos na nossa? Convivemos ao longo da vida com casais interessantes que tem uma história de luta, dedicação e comprometimento, mas não nos damos conta do quanto isso pode ser poético e romântico. Muitas vezes nem mesmo a dupla envolvida percebe que a sua história é especial e que pode servir de inspiração para muitas pessoas. Eu conheço vários casos assim, a minha mãe foi casada com o Baba por 25 anos e aproveitaram a vida com tanta intensidade que chegava a ser irritante! Viajavam juntos acampando em várias cidades, frequentavam e ofereciam grandes festas, viviam com a casa cheia de gente e estavam sempre prontos para a diversão. Acreditem, podia ser enlouquecedor em alguns momentos... Não sei se eles tiveram clareza da importância do seu amor enquanto estiveram juntos, sei apenas que a minha mãe se deu conta disso depois que ele morreu. Uma das histórias deles é sobre uma vizinha antipática de quem a minha mãe não gostava. O Baba tinha a péssima mania de gritar com os cachorros da casa, especialmente com uma vira-lata agitadíssima chamada Cidinha. Ele berrava com Cidinha pelo quintal coisas como "sua cretina, aprontou de novo, eu vou te matar, você me paga" etc. Ele fazia um barulho enorme, mas nunca bateu nos cachorros de verdade. Nós já estávamos acostumadas com esse teatro, mas nunca pensamos se os vizinhos pensariam diferente. Um belo dia, mamãe estava tranquilamente aproveitando o fim de semana na praia quando a vizinha se aproximou e, com uma expressão de pesar, disse para minha mãe que era solidária e que se ela quisesse ajudaria mamãe a denunciar o marido violento. A surpresa da minha mãe foi indescritível e ela explicou que o escândalo era com as criaturas caninas e não com ela. Óbvio que a minha mãe teve certeza de que a vizinha já tinha espalhado para o bairro inteiro que a minha mãe era maltratada pelo marido. Com sangue nos olhos, ela voltou para casa e aconteceu um rebu maior ainda do que o de costume no quintal: era minha mãe quase assassinando o pobre Baba por causa da vergonha que passou na frente do seu desafeto. Tenho absoluta certeza de que naquele dia os vizinhos cogitaram chamar a polícia, não por causa dela, mas para salvar o pobre Baba!

domingo, 2 de novembro de 2014

O poeta preferido do Sr T: Maiakóvski

Um dia, quem sabe,

ela, que também gostava de bichos,

apareça numa alameda do zôo, sorridente,

tal como agora está no retrato sobre a mesa.

Ela é tão bela,

que, por certo, hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século ultrapassará o exame de mil nadas,

que dilaceravam o coração.

Então, de todo amor não terminado

seremos pagos em enumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,

nem que seja só porque te esperava

como um poeta,

repelindo o absurdo cotidiano!

Ressuscita-me,

nem que seja só por isso!

Ressuscita-me!

Quero viver até o fim o que me cabe!

Para que o amor não seja mais escravo de casamentos,

concupiscência, salários.

Para que, maldizendo os leitos,

saltando dos coxins,

o amor se vá pelo universo inteiro.

Para que o dia,

que o sofrimento degrada,

não vos seja chorado, mendigado.

E que, ao primeiro apelo:

─ Camaradas!

Atenta se volte a terra inteira.

Para viver livre dos nichos das casas.

Para que doravante a família seja:

o pai,

pelo menos o Universo;

a mãe,

pelo menos a Terra.

(Vladímir Maiakóvski)