sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Para acordar

Ontem eu acordei de manhã com uma voz chamando nitidamente o meu nome. Não é nada incomum, sempre que eu preciso acordar cedo para um compromisso importante a minha mente inquieta usa esse recurso. É como o "chute" no filme A Origem, um mecanismo que o cérebro usa para acordar dos sonhos. Normalmente é a voz de uma das meninas, mas ontem não. A voz que me acordou era a do Sr. T e levantei assustada e confusa até que me dei conta do que tinha acontecido. Sentei na beira da cama contente por ter ouvido a voz dele, muito mais clara do que os registros da minha memória. Porém, durante o dia, a tristeza veio vindo de mansinho, provavelmente porque eu reavivei a memória e ela foi se esvaindo ao longo do dia, ficando apenas a sensação de perda. Sei que parece transtorno bipolar ou esquizofrenia, mas já compreendi que é assim mesmo. É o tempo todo com vontade de rir pelas lembranças boas que aquecem o coração e chorar pela perda que deixou um buraco na alma.

domingo, 24 de outubro de 2010

São apenas objetos

Ontem eu consegui entregar vários objetos pessoais do Sr. T para que os meninos pudessem separar as coisas que gostariam de guardar e doar o resto. É muito difícil nos separarmos das lembranças, mas elas precisam ser positivas e não motivo de tristeza. Por coincidência, assisti ao desenho Up e percebi que o Sr. Fredricksen tinha o mesmo apego pelos seus objetos por causa das lembranças da sua falecida esposa. O filme mostra o descaso com os idosos e a importância de se preservar as suas lembranças (ele chega a arrastar a sua casa com uma corda por quilômetros!), mas também aponta para a importância do desapego e a necessidade de se seguir em frente. Sim, eu sei que são apenas objetos, mas são também "pontes" da minha memória afetiva que me conectam com o passado. Para se tornarem lembranças positivas, os objetos precisam adquirir um papel de representatividade especial, e não apenas ser o resultado da impossibilidade de selecioná-los. O avaro é aquele que deseja acumular apenas para "possuir" sem nenhum critério de representatividade que não seja a quantidade. O valor sentimental está na seleção cuidadosa daquilo que melhor representa a lembrança que você deseja conservar. Assim, guardei algumas coisas que eu melhor identificava com o Sr. T (pensando nas lembranças mais marcantes para Mariazinha) e deixei que o resto fluísse para outras mãos, com outras representações. O desapego não é um processo fácil, mas é sempre necessário.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

T. e Jerry

Eu nunca consegui entender, mas o Sr. T torcia para o Tom! Sim, o gato malvado Tom do desenho Tom e Jerry. Ele dizia que o rato era um sonso que atrapalhava o pobre gato inocente que estava apenas tentando manter a casa livre dos roedores asquerosos. Pois bem, a mania do Sr. T de acumular caixas de papelão cheia de cacarecos velhos trouxe um camundongo para dentro do nosso apartamento. Parecia mesmo o Jerry, pequenino, marrom com orelhinhas redondas. Quem nos alertou para a presença do ratinho fofo foi a nossa cadelinha yorkshire que ficou enlouquecida com a presença do rato dentro de casa. Depois de semanas de armadilhas, vassouradas e muito queijo desperdiçado, eu já não aguentava mais. Dei um ultimato para o Sr. T: - Você vai ou não vai pegar esse rato? Não é possível que ele seja mais esperto que você! E ele me respondeu irritado: - Mas eles são espertos! Você não está vendo que é igualzinho ao desenho animado? Pior é que ele tinha razão, quando vemos o desenho sempre pensamos como é possível tantas vassouradas e chineladas e mesmo assim o rato continuar serelepe. Na vida real também, mas desconfio que o Sr. T estava com pena de matar o ratinho. Finalmente, o Sr. T contando com a valiosa colaboração de nossa cadelinha Nala, conseguiu expulsar o rato de casa. Reparem que ele não liquidou o roedor, ele apenas o colocou para fora de casa, igualzinho ao desenho! Sorte a nossa que o Jerry não voltou para desfrutar as mordomias da nossa casa, porque se eu dependesse das habilidades do Sr. T para caçar ratos, já teríamos uma colônia gigante igual ao desenho Ratatouille!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sol, mar, areia e vento

Uma vez eu li um romance no qual o autor afirmava que remoer um problema era como cutucar um dente cariado, com a dor você percebe que ele está lá. Ontem eu fui caminhar na praia, um programa que eu só fazia com o Sr. T e que tinha um papel importante em nosso relacionamento porque sempre aproveitávamos esse momento para conversar ou discutir a relação. O litoral perto de casa é maravilhoso, seria um crime desperdiçar uma paisagem tão linda e um clima tão agradável. Caminhar molhando os pés na areia, sentir o vento no rosto, dar um mergulho ou simplesmente contemplar o mar, sempre nos ajudava a colocar as ideias em ordem. Sair para caminhar sozinha pareceu uma boa ideia nos primeiros dez minutos, mas depois de colocar os pés na estrada (ou melhor, na rua) a tristeza foi imensa. Chorei nos primeiros momentos, escondida atrás do chapeu e dos óculos escuros, mas fui até o fim. Fiz o nosso percurso de sempre, pensando nas inúmeras vezes que estivemos ali e quantas coisas eu tinha para dizer agora. Inútil, mas tive a sensação de que não caminhava sozinha e voltei para casa um pouquinho mais orgulhosa de mim mesma...

domingo, 17 de outubro de 2010

Eu e o Sr. T em Ilhéus

No começo do nosso relacionamento, o Sr. T vivia na Paraíba e eu no Rio de Janeiro. Nós dois tínhamos trabalhos que exigiam muito e fazíamos verdadeiros malabarismos para nos encontrar. Um dos nossos encontros foi em Ilhéus, que ficava no meio do caminho de algumas atividades que tínhamos na época. Passamos alguns dias explorando a terra de Jorge Amado e foi muito divertido flanear pelas ruas históricas da cidade com meus vestidinhos estampados como Gabriela Cravo e Canela. Nós ficamos em uma linda pousada na beira da praia, recentemente comprada por um casal que deixou São Paulo em busca de tranquilidade. Na primeira noite que passamos na pousada, fomos dormir quase oito horas da manhã porque eu tinha que entregar um relatório enorme e o Sr. T ficou me ajudando. No dia seguinte, dormimos até meio-dia e acordamos com o dono da pousada batendo em nossa porta achando que tínhamos morrido ou coisa parecida! Com o Sr. T, nem mesmo um simples passeio na pacata cidade de Ilhéus poderia ser desprovido de algo inusitado.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Faz um pouco de café?

Todos nós precisamos de um descanso de vez em quando, uma trégua, uma espécie de pausa no patamar para subir os degraus que restam. As minhas pausas estavam nas pequenas coisas do cotidiano: alguém para fazer um café, dirigir o carro, levar Mariazinha para passear enquanto eu vou ao salão de beleza, cozinhar o almoço no fim de semana... Enfim, coisas bobas que ninguém costuma dar valor no dia-a-dia, mas que são fundamentais para manter a sanidade mental de qualquer um. Nós dois sempre fazíamos coisas um para o outro, um doce, um pouco de café, comprar o pão na padaria, trazer um livro ou um filme. Coisas pequeninas que eram surpresas agradáveis para suavizar um cotidiano bastante árido. As frases ainda ficam na minha cabeça: - Benzinho, faz um pouco de café? - Vamos comer uma coisa gostosa na doceria? Talvez esta seja a minha descoberta mais dolorosa, não sinto falta de coisas grandiosas como as pessoas costumam dizer, sinto falta de coisas pequeninas que ele fazia e demonstravam o desejo de cuidar em cada uma de suas ações.

sábado, 9 de outubro de 2010

Resignação ou aceitação?

No domingo passado Mariazinha teve uma crise ao entrar em um novo brinquedo no shopping, ela literalmente entrou em pânico! Percebi com clareza que o sofrimento nada tinha a ver com o brinquedo (um carrinho que flutua na água), era uma crise de ansiedade. Ela tem sentido muito a falta do pai ultimamente, faz perguntas, cria teorias e chora bastante. Não é uma confusão pelo que aconteceu, é realmente a saudade que se instala e a cada dia que passa nos damos conta de mais coisas que não podemos mais fazer. No trajeto da viagem para o trabalho, com a choradeira inevitável de quando fico só com os meus botões, percebi que diante de uma tragédia em nossas vidas temos duas opções: ou nos revoltamos contra o mundo e descontamos nos outros as nossas frustrações e angústias ou então nos resignamos e aceitamos o que aconteceu, tentando ser uma pessoa melhor e mais generosa com os outros. Escolhi a segunda opção, é claro, mas me dei conta que a minha resignação não significa que compreenda e aceite a minha perda. A minha resignação está relacionada com a minha humildade diante da vida (porque não seria comigo, afinal não sou melhor do que os outros), e o reconhecimento de que se existe um projeto metafísico, eu não tenho a visão do todo. Porém, mesmo considerando que eu possa merecer cada milímetro do meu sofrimento, não consigo compreender a razão para o sofrimento da minha filha. Sei que existem coisas muito piores, crianças morrem e ficam doentes todos os dias, por isso mesmo tenho que me resignar diante da angústia, mas aceitar é outra coisa. Só é possível aceitar o que se compreende, em todas as dimensões possíveis e, sinceramente? É a única peça que falta encaixar no meu quebra-cabeça da vida. Por isso mesmo eu gosto muito do final do filme Cidade dos Anjos, quando o personagem do Nicolas Cage pergunta:- Estou sendo punido, é isso? E o amigo anjo pergunta: - Se você soubesse que ela iria morrer, teria feito outra escolha? - Nunca! Eu teria feito qualquer coisa apenas para ter sentido o calor da pele dela e a textura dos seus cabelos. É isso, a parte que me coube resumiu-se aos oito anos de convívio, mas se eu soubesse que seria tão breve, ainda assim, não teria feito outra escolha!

domingo, 3 de outubro de 2010

Hoje é o dia D

Ter vivido os últimos oito anos ao lado do Sr. T respirando política, faz com que o dia de hoje seja ainda mais difícil. Sim, a democracia está em festa com a possibilidade de eleger uma mulher presidente do Brasil! Para quem sempre acreditou no PT, a aprovação recorde do Lula é algo para se falar todos os dias para os conservadores: eu não disse? Mas o meu coração fica pequenininho porque o Sr. T não está aqui para participar da festa e sacramentar o seu voto no número 13. Vou votar em Dilma, mas para os outros cargos vou votar na legenda. Meu guru político não está mais aqui e não quero correr o risco de votar em alguém que possa ter prejudicado o Sr. T em algum momento. É, a falta do outro revela-se em todas as coisas do cotidiano. Todas mesmo, até em uma eleição!