domingo, 21 de outubro de 2012

Temperos

Se eu fosse uma bruxa (coisa que eu suspeito há muito tempo) a minha magia seria revelada sempre na cozinha. Adoro a alquimia dos cheiros e sabores e o resultado da minha ação na cozinha está sempre relacionado com o meu estado de espírito. Se estou feliz, equilibrada e tranquila, os caldos fervem em cores brilhantes e os assados cheiram pela casa inteira, se espalhando pelos corredores e andares do prédio ao ponto dos meus vizinhos me perguntarem o que estava cheirando tão bem. Se estou triste, o resultado é sofrível, sem graça e sem brilho... Semana passada, eu ganhei de presente vários tipos de temperos comprados com um carinho do tamanho do mundo, em lojas especializadas no Centro do Rio que parecem ter saído do Beco Diagonal Potteriano. Fiquei enlouquecida com os aromas da pimenta rosa, do chimichurri mexicano, da sálvia, do curry, da baunilha, do açafrão... Fui correndo comprar vidros para guardar os meus temperos, fiz etiquetas e organizei todos na janela da cozinha. Lindos! Acordei hoje disposta a caprichar na alquimia e misturei temperos e sabores para o almoço que estão perfumando a casa toda. Enquanto eu cozinhava, fiquei pensando na delicadeza dos presentes que revelam a nossa alma. São sempre presentes simples na perspectiva material, mas complexos em sua execução: exigem planejamento, conhecimento, seleção e boas doses de adivinhação. Pode ser um anel, uma blusa confortável ou uma lista de temperos variados e exóticos... A felicidade que transborda ao receber um presente assim, recoloca tudo em seus lugares e provoca uma reflexão interessante: se você é capaz de compreender a dimensão da grandiosidade desses gestos, será capaz de abandonar os propósitos mesquinhos repetidos ao longo de uma vida inteira e entender que todo amor não pode ser em vão!

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O Grito + Pink Floyd

Já me senti assim muitas vezes... Invisível, angustiada, mas ainda assim, sem medo da morte!

Fonte: Revista Entremundos

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Queridinha

A pergunta foi simples e direta, resultado de uma conversa boba sobre comportamento: - E o Sr. T? Como ele chamava você? Estávamos conversando sobre como os casais se tratam, rindo dos apelidos ridículos que colocamos em nossa cara-metade quando estamos apaixonados, como Mô, Mor, Benhê etc. Acessei a memória buscando a resposta. Não encontrei de imediato. Procurei a memória auditiva de quando ele me chamava para alguma coisa. Sabia que ele me chamava de Ana, mas muito raramente... Como ele me chamava, meu Deus! Qual era o nosso tratamento? Tentei visualizar a cena do Sr. T entrando pela porta e caminhando em minha direção enquanto dizia alguma coisa. A dor foi inevitável. O fluxo de imagens reavivadas na memória é sempre doloroso... Eu conseguia reproduzir as imagens, mas não podia ouvir. Eu não conseguia lembrar! Pânico... Comecei a suar frio enquanto o meu coração dava pinotes. Como eu podia não lembrar! Como? Senti um nó na garganta, os olhos arderam com uma vontade enorme de chorar. Levantei da cama agitada e fui em direção ao quarto da filha mais velha:

- Filha, você se lembra de como o Sr. T me chamava? Ela me olhou espantada, pensou por alguns segundos e começou a descrever:

- Ele a chamava de Ana, nunca usou Bia ou Ana Beatriz. Chamava de "meu bem" e quando explicava alguma coisa para você dizia "minha querida". Quase o tempo todo dizia "queridinha"...

Isso! Queridinha... Ou minha querida... Sentei na cama aliviada. Isso! Pude visualizar novamente a imagem dele em várias situações me perguntando coisas ou me chamando. - Mas é claro, minha querida! Quer que eu faça isso, queridinha? Meu Deus, consegui lembrar! Quando eu resolvi escrever esse blog foi justamente para não esquecer as pequenas coisas do nosso cotidiano porque quando a dor é muito grande, o mecanismo de defesa do corpo (e da alma) apaga as imagens, as experiências e os sons da nossa memória. O registro de cada lembrança minha aqui no blog sempre me faz chorar, é inevitável. Mesmo assim, depois de mais de cem postagens, ainda assim, não foi o suficiente. Eu esqueci de algo básico e essencial: o carinho enorme com o qual o Sr. T me tratava!