sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Lancelote, de Chrétien de Troyes (3)

Nesse prazer amoroso, experimentam tanta felicidade que vem dos beijos e de toda a festa dos sentidos que eles se sentem invadidos por uma alegria prodigiosa. Nunca se ouviu falar de uma maravilha igual. Mas é melhor que eu me cale sobre isso. Toda história deve respeitá-la pelo silêncio. A maior e mais deleitosa das alegrias foi aquela que a nossa história pretende conservar secreta. Lancelote passou toda a noite naquele deleite. Mas chegou o dia, inimigo da sua alegria, pois ele tem que sair de perto de sua amiga. E parecia um mártir, pois separar-se dela era um suplício. Seu coração insiste em voltar para o lugar em que a rainha ficou. Ele não tem forças para controlá-lo. Aquele coração está muito enfeitiçado para consentir em abandonar a rainha. O corpo vai, mas o coração permanece.

Troyes, C. Lancelote, o cavaleiro da carreta. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994.

Lancelote, de Chrétien de Troyes (2)

Inclina-se diante dela em adoração, pois seu respeito pelas relíquias dos santos não é maior do que o que tem por ela. Mas a rainha estende-lhe os braços, abraça-o e aperta-o ao encontro do coração, puxando-o para perto de si na cama. Acolhe-o com um fervor sem reservas, pois Amor e o seu próprio coração inspiram os gestos. É Amor que a leva a recebê-lo tão bem. Mas se ela amou Lancelote com tão grande amor, ele ainda se mostrou mil vezes mais apaixonado, pois Amor abandonou todos os outros corações para vir transbordar dele. Melhor ainda, foi no seu coração que Amor se revigorou a tal ponto que esmoreceu nos outros. Agora os votos de Lancelote foram exaltados, pois a rainha se compraz com sua companhia e suas carícias, ele a tem nos braços e ela também o abraça.

Lancelote, de Chrétien de Troyes (1)

Lancelote, o Cavaleiro da Carreta (em francês: Lancelot, le chevalier de la charrette) é um poema em francês antigo escrito por Chrétien de Troyes no início do século XII. O livro é sobre o caso de amor entre Guinevere e Lancelote e tem como fundo a corte do Rei Artur, Camelot. Para quem não se lembra, Guinevere é esposa de Artur e vive um romance com o homem de confiança do rei, Lancelote. A tradutora da edição brasileira (editora Francisco Alves) afirma que "a ideia de escrever Lancelote, o cavaleiro da carreta foi sugerida a Chrétien por Marie de Champagne, que lhe deu o tema do romance, como ele afirma na introdução do livro. Chrétien que era piedoso e austero, não parecia ter se sentido muito à vontade ao desenvolver a história de amor de Lancelote pela esposa do seu soberano. Não devia concordar tampouco com o comportamento de Guinevere, que cede à paixão e se entrega ao seu amado. Suas convicções religiosas tornam a tarefa difícil e ele a cumpre quase como uma obrigação. Isso pode ser observado no início do romance, pelo emprego da cojunção já que, que exprime uma causa imposta, contra a qual nada se pode fazer. O autor parece desculpar-se pelo tema tratado". Particularmente, eu gosto muito da história por toda a luta que interna e externa que os protagonistas precisam travar para viver o seu amor. Eu desconfio sempre dos amores convenientes e de acomodação. Acredito que a convergência de interesses não tem nada a ver com o amor. O relato da noite de amor entre Lancelote e Guinevere é bem moderninha para o século XII. Chrétien pode ter ficado desconfortável ao escrever o livro, mas a Senhora Marie de Champagne deve ter se divertido bastante com o texto!