domingo, 20 de novembro de 2011

Mamãe, você é negra?

Semana passada, ao voltar de viagem, fui surpreendida com a seguinte pergunta de D. Maricota: - Mamãe, você é negra? Segundo ela, a escola está trabalhando o tema e todos nós somos brancos, índios, negros etc. O Sr. T era militante do movimento negro e só fui entender o que significava as políticas afirmativas depois de conviver com ele. Ele sempre dizia que D. Maricota poderia se reconhecer como negra dependendo do grau de inserção na cultura negra e do nível de aproximação dela com as questões étnicas, independente de sua aparência. O pensamento dele representava uma corrente do movimento negro que acredita que a questão da etnia está além da cor da pele (existem outras correntes não pensam assim). Obviamente, D. Maricota ainda era muito pequena para captar a dimensão das nossas discussões, mas quando uma criança de seis anos (que sequer sabe ler) reflete sobre a sua própria cor e a sua herança étnica, podemos ter esperança de um futuro melhor.


- Mamãe, você é negra?
- Ahn, hum, ahn... Não, filha, não sou.
- Você sabia que todos nós somos negros, brancos e índios?
- É mesmo?
- É sim! E você sabia que eu posso escolher ser negra? Porque papai era negro, não era? Então, eu também posso ser negra!
Ah, como o Sr. T ficaria feliz em ouvir esse discurso da sua filha querida!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

No aeroporto

Sexta-feira, final de tarde no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. A fila para o táxi era quilométrica e um casal conversava, trocando impressões sobre o filme "Namorados para sempre (Blue valentine)".


Ela: Você não devia ter pedido para eu ver esse filme, enquanto eu assistia eu só pensava: "mas que filho da puta"!
Ele: Eu sei que o filme é pesado, é uma desconstrução terrível dos relacionamentos.
Ela: Fiquei impressionada como ele era apaixonado por ela no começo e faz de tudo para ficar com ela, até assume a filha que não era dele! Não é uma história de amor, ela não gostava dele de verdade...
Ele: Mas eu gostei muito da forma como eles se relacionam no começo, ela dançando para ele na rua é muito lindo.
Ela: E a cena final?
Ele: Eu chorei naquela cena!
Ela: Mas você nunca passou por isso! Eu sofri muito, você não faz ideia de como o filme me afetou! Fiquei arrasada...
Ele: Eu achei que a Michelle Williams estava fantástica, o filme é maravilhoso...
Ela: Sim, ele mostra como as pessoas podem mudar (e como mudam nos relacionamentos!). Será que isso vai acontecer com a gente também?

Durante a conversa, os dois interrompiam o diálogo e trocavam beijos delicados e apaixonados ao mesmo tempo. Depois de quase meia hora na fila, quando o casal já estava chegando no embarque do táxi, eles se deram conta que as pessoas ao redor estavam prestando atenção na conversa dos dois, sem sequer disfarçarem o interesse. Acho que se demorasse mais quinze minutos, o povo ia começar a dar palpites na conversa dos dois! Sinceramente, não sei o que atraiu a atenção das pessoas (a conversa, a relação dos dois, o toque...), só sei que aquele relacionamento era realmente especial...

domingo, 13 de novembro de 2011

Fim de caso

Já faz muito tempo que assisti "Fim de caso", mas uma das coisas que mais me impressionou no filme foi o poder do sacrifício silencioso. Lembro da minha chefe (uma dondoca afetada e sem-noção) que adorava contar para todos (principalmente nas reuniões e quando tinha público) o quanto ela era generosa com as pessoas necessitadas. Eu sempre desconfio muito de quem faz alarde das boas ações... O filme tem como pano de fundo a guerra na Inglaterra de 1939. Sarah Miles (Julianne Moore) é casada com Henry (Stephen Rea), mas vive um caso de amor com Maurice Bendrix (Ralph Fiennes). Um dia, depois de um intenso bombardeio no local onde os dois estavam, Sarah sai da vida de Maurice sem qualquer explicação. Ele alimenta um ressentimento profundo por ela e descobre depois que ela fez uma promessa para que ele sobrevivesse ao bombardeio. Já conheci muitas pessoas que se apegam ao outro de forma negativa, quase parasitária. São capazes de qualquer coisa para manter o seu (suposto) objeto de amor, não importa em que condição ou a que preço. Algumas radicalizam ao ponto de achar melhor o seu amor morto do que feliz com outra pessoa (sim, são muitas pessoas que agem e pensam assim). Depois de tudo que eu vivi até hoje, consigo lidar com o amor de outra forma, não porque eu seja especial ou conheça algum segredo, mas porque é a única forma possível de lidar com os meus sentimentos. Diariamente, eu pratico o desapego das coisas e das pessoas e tenho certeza de que hoje eu estaria preparada para abrir mão da pessoa que amo, sem pensar duas vezes, se isso pudesse salvar a sua vida ou torná-la mais feliz.

sábado, 5 de novembro de 2011

Controle

Houve um momento na minha vida em que decidi que eu precisava assumir o controle e ser responsável pelas minhas escolhas. Desde então, eu só me dei mal quando permiti que outras pessoas assumissem o controle da minha vida e tomassem decisões importantes. Estar no controle significa assumir todas as responsabilidades por suas escolhas e, embora possa parecer assustador, nada é mais aterrador para qualquer ser humano do que descobrir que é manipulado o tempo todo. Por isso mesmo o filme O Show de Truman é tão perturbador... Eu não consigo lidar com pessoas que não assumem o controle de suas vidas, que são vítimas dos outros, da própria acomodação ou dos acontecimentos. Talvez seja exatamente por isso que eu tive tanta dificuldade em lidar com a morte do Sr. T. Estar diante do inesperado, do irreversível e lidar com a total falta de controle sobre o destino e sobre os meus próprios sentimentos, foi um divisor de águas para mim. Posso dizer que vivi em um estado de quase insanidade por alguns meses. Aos poucos, fui recuperando o controle das minhas emoções, do meu corpo, da minha saúde, da minha vida... Um amigo me perguntou se eu tinha medo de um novo relacionamento por não suportar ter o coração partido novamente. Ri alto. O que é ter um coração partido depois que ele já foi triturado? Como dizem nos Estudos Culturais, do lugar de onde eu falo, posso afirmar: hoje, eu não tenho medo de mais nada...