quinta-feira, 30 de junho de 2011

No espaço do Sr. T

Eu não costumo ligar muito para datas, mas é impossível não considerar o elemento cármico do dia de hoje. Um ano depois da partida do Sr. T, estou exatamente no lugar que sintetiza todo o trabalho nos últimos anos da vida dele: o Encontro Internacional de Software Livre, em Porto Alegre. O Sr. T esteve envolvido com a construção e implementação de programas governamentais de inclusão digital e participou de algumas edições do Fisl. Quando voltava para casa, ele fazia questão de contar em detalhes tudo o que viu, ouviu e as pessoas que conheceu (e que pensavam como ele). E como eu vim parar aqui, justamente hoje? Eu sou uma militante do software livre agregada, mas não trabalho especificamente com o tema. Ano passado eu participei do programa Um Computador por Aluno (UCA) e hoje tenho um orientando que está pesquisando o uso do SL na educação. Ele articulou a criação de uma mesa para discutir o uso do SL no UCA e me convidaram para participar da discussão. Na época, não percebi a coincidência da data e depois pensei que seria bom não estar em casa hoje. Infelizmente, parece que foi uma péssima ideia... Estou em POA massacrada pelas lembranças e apesar das coisas boas (telefonema de um bom amigo, conhecer a criadora do B.A.T.M.A.N e participar de uma verdadeira ebulição de ideias), o peso é muito maior do que eu pensava. O pior é que não é só a angústia emocional, estou embaixo das cobertas do hotel porque não tive coragem de entrar sozinha no espaço do evento, a última vez que consegui comer alguma coisa foi há mais de 20 horas e já chorei muito mais do que o necessário. Amanhã tenho dois compromissos de trabalho que vão me obrigar a me concentrar na apresentação, nas pessoas e esquecer essas bobagens do passado. Pelo menos, eu deveria....

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Força tarefa junina

Depois do fiasco que foi a última festa na escola de D. Maricota em maio, resolvi montar uma operação de guerra para a festa junina. Convoquei a família toda e garanti a presença de todos com a promessa de muita pamonha, milho, tapioca e mungunzá de graça. Antes que vocês pensem que eu sou generosa e façam um bom juízo de mim, a honestidade me obriga a contar que as festas na escola de D. Maricota são sempre assim. Eles cobram um taxa por aluno e você pode levar a família toda se quiser, até a terceira geração. No local da festa, a comida está disponível para todos e só as bebidas são vendidas. Mamãe que tinha ido na festa do meu sobrinho na semana anterior, ficou impressionada com a proposta da escola. Normalmente, as escolas cobram entrada por cada pessoa da família (um absurdo!) e cada um paga o que consumir na festa. Para completar a diversão, um mestre de cerimônias vestido de palhaço matuto organizava a preparação das danças dando bronca nas mães: - É só deixar as crianças com as professoras, por favor, deixem o espaço livre. Nossa, as mães não confiam nos professores! A senhora de branco que veio de camisola e está se fazendo de surda, pode se afastar? A pobre da mamãe que trabalhou em escola a vida toda e organizou trocentas festas juninas, se sentiu vingada dos pais inconvenientes e só resmungava: - Porque eu não contratei esse sujeito antes? Teria resolvido todos os meus problemas! Finalmente, chegou a hora da tão esperada dança de D. Maricota que sacudiu a saia compenetrada e rodopiou em cima do palco ao ritmo da música. Uma fofa! A festa foi um tributo ao grande mestre Luiz Gonzaga e todas as músicas dançadas pelas crianças eram dele. Nos intervalos entre uma dança e outra, os professores faziam uma performance no palco lendo textos poéticos que contavam a vida do grande Luiz Gonzaga. Depois das danças, cada criança recebeu uma bolsinha com fogos de artifício, o que foi a deixa para eu sair de fininho... Voltamos para casa com D. Maricota feliz da vida, prova concreta de que a ação da força tarefa foi um sucesso. Refletindo sobre a festa depois, percebi que não querer estar sozinha e pedir apoio aos outros, foi um passo importante para superar os medos. Mais um vencido!

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Crônicas de um feriado de São João

Depois de alguns anos morando em outra região, você já consegue ter uma ideia do seu nível de adaptação aos costumes locais se consegue vivenciar as festas como as outras pessoas. No meu caso, a minha adaptação é resistente e eu continuo assistindo ao espetáculo das festas juninas como uma estrangeira. Não consigo desejar "bom São João", não compro roupa nova para a data e se marcarem trabalho para o dia 24, não vou estranhar nem um pouco. Por outro lado, continuo achando o fim do mundo que as escolas tenham aula normalmente na quarta, quinta e sexta depois do carnaval! Hoje não pude deixar de lembrar do primeiro São João que passei aqui no nordeste com o Sr. T. Nós resolvemos viajar para o interior porque eu queria muito conhecer o vale dos dinossauros, em Souza. Ele conseguiu um pacote no Hotel Brejo das Freiras que fica em uma cidade próxima e fomos explorar o interior da Paraíba. A primeira coisa que me deixou chocada foi o calor que faz no interior, mesmo em pleno inverno. A paisagem muda rapidamente quando atravessamos o agreste e nos aproximamos do sertão nordestino. Enquanto o litoral é bastante semelhante aos outros Estados do sul do país, o interior apresenta uma paisagem tão diferente que é quase alienígena. Vegetação rasteira, seca, retorcida, os inselbergs imponentes e um sol de arrancar o couro. Fizemos uma viagem tranquila, mas acabamos nos atrasando e anoiteceu enquanto ainda estávamos na estrada. Eu comentei com Sr. T que só nós estávamos indo em direção ao interior, todos os carros cruzavam por nós em direção contrária. É sério, não tinha um carro na nossa frente ou atrás de nós, todo o movimento era na pista contrária! Achei estranho e comentei em voz alta o que eu estava pensando e ele respondeu: - Bom, pelo menos as pessoas estão vindo de algum lugar! O celular do Sr. T tocou e era o pessoal do hotel querendo saber se íamos demorar a chegar. Eu nunca soube de um hotel que ligasse para os seus prováveis hóspedes para saber em que lugar da estrada eles estavam... Pois eles ligaram várias vezes e ríamos feito loucos dentro do carro só de pensar que o hotel devia ser tão bom que nós éramos os únicos hóspedes deles! Quando chegamos próximo ao local, ficamos perdidos e o pessoal do hotel nem pestanejou: mandaram uma moça nos encontrar no meio do caminho e apontar a direção correta. Sim, eu nunca ouvi falar de um hotel... Quando nos aproximamos do cruzamento indicado pelo pessoal do hotel, vimos a tal moça sozinha na estrada, no meio do nada. - Como ela chegou até aqui? perguntei perplexa. Nós pensamos que ela voltaria conosco no carro, mas ela se recusou, indicou o caminho e disse que ficaria por ali. O Sr. T preocupado ainda insistiu, mas ela nem deu bola. Fomos na direção indicada pela moça preocupados e quando olhamos para trás, ela tinha desaparecido! Bom, a esta altura nós já tínhamos certeza absoluta de que estávamos indo em direção ao hotel fantasma, mas como o pacote já estava pago e a grana era curta, resolvemos encarar a vibe do filme "O Iluminado". Chegamos ao hotel (que antes era um convento), fomos muito bem tratados pelos funcionários cuja média de idade era 89 anos e passamos um fim de semana tranquilo com os nossos fantasminhas camaradas. Pelo menos não tentaram invadir o nosso quarto (que parecia mesmo um desconfortável quarto de freira) e nem devoraram os nossos cérebros. Foi uma viagem feliz como muitas outras que fizemos pelo interior e pretendíamos fazer muitas outras com D. Maricota. Ela hoje é louca por dinossauros e já pensei em viajar com ela até Souza. Pode ser que eu consiga fazer isso daqui a alguns anos, mas por enquanto, vou continuar lembrando daquela viagem como algo muito especial que não pode ser revivido, principalmente, pelo prazer enorme que era viajar com o Sr. T!

sábado, 18 de junho de 2011

Lições de vida com D. Maricota

Domingo passado, eu e D. Maricota planejamos ir ao cinema assistir Kung Fu Panda 2, em 3D. Ela adora filmes em 3D e apesar do peso no meu bolso, não posso deixar de reconhecer que ela aproveita cada minuto do filme e realmente se diverte (sem falar que ela fica engraçadíssima com aqueles óculos enoooormes). Infelizmente, eu não levei em consideração que era o dia dos namorados e o shopping estava lotado, com seguranças impedindo a entrada de carros no estacionamento. Ao ver o caos instalado, resolvi ir embora e marcar o cinema para o outro dia. O único problema foi contornar a frustração de uma criança de cinco anos que passou a semana inteira planejando o passeio: quando eu disse que iríamos embora ela começou a soluçar e ao invés de fazer a birra de sempre (para a qual eu já estava preparada), ela fez um discurso sobre a necessidade de persistência na vida! Isso mesmo, vocês não leram errado, ela disse literalmente o seguinte texto: - Mamãe, você desiste muito rápido, não pode desistir assim. Quando a criança não consegue alguma coisa, tem que tentar de novo até ela conseguir. Se a gente desiste, nunca vai conseguir fazer as coisas! Como vai aprender assim? Não me perguntem de onde saiu o texto, não sei se foi na escola ou em outra situação "educativa". Fiquei tão perplexa e chocada que embiquei o carro na rua paralela ao shopping e tentei um caminho alternativo pela entrada lateral. Consegui entrar e rapidamente encontrei uma vaga. Quando saí do carro, D. Maricota perguntou toda feliz da vida: - Mamãe, desta vez eu estava certa, não estava? Fui obrigada a concordar, prometi não desistir na próxima dificuldade e fizemos o nosso programa de domingo combinado. Depois de tudo que tenho passado, quem sou eu para discutir as dicas de autoajuda de uma menina de cinco anos?

terça-feira, 14 de junho de 2011

Um acontecimento estranho

O que vou contar a seguir foi presenciado por quatro pessoas e demorei alguns dias para escrever porque eu precisava me recuperar primeiro. Semana passada eu fiz uma viagem a trabalho e estava distante 3.000 km de casa. Visitei um dos pontos turísticos mais tradicionais do Rio de Janeiro, a Confeitaria Colombo, com várias alunas e uma professora amiga que trabalha comigo. Em um dado momento, a professora me perguntou se um homem que corria atrás de um garotinho fofo não parecia com o Sr. T. Eu olhei de relance para o homem de costas e dei uma risada porque ele tinha um cabelão estilo black power, usava uma bermuda camuflada e um casaco desconjuntado. Pensei que ela tinha achado o sujeito parecido com o Sr. T por causa do cabelo... O homem caminhou mais alguns passos, pegou o menino no colo e voltou em nossa direção. Naquele momento meu coração deu um salto e meu estômago se contraiu: o homem era igualzinho ao Sr. T! Cabelos, óculos, rosto, roupa e, principalmente, o olhar. Senti uma pressão no peito horrível, eu queria correr para ele e perguntar porque ele tinha ido embora e estava ali com aquela mulher e aquela criança. Sim, ele tinha uma mulher muito parecida comigo... Felizmente, o hemisfério racional do meu cérebro entrou em ação e eu tentava me lembrar do velório e do enterro, ele estava lá, eu tenho certeza! Dizia a minha parte racional enquanto a outra parte histérica dizia que eu não tinha chegado perto do corpo e não podia ter certeza, e se ele não estivesse morto? Tentei fazer cara de paisagem enquanto todas continuavam impressionadas com a semelhança (chegamos a tirar uma foto do sujeito que já estava ficando cabreiro com tantos olhares). Enquanto ele saía empurrando o carrinho do bebê, o pianista começou a tocar a música tema do filme "Em Algum Lugar do Passado" (informação devidamente registrada pelas minhas companheiras de mesa). Sim, seria uma coincidência comum encontrar alguém fisicamente parecido, mas o sujeito poderia estar vestindo um terno. Ou estar sozinho com um grupo de amigos. O que é inaceitável no universo paralelo das coincidências incríveis é uma pessoa semelhante à alguém que tinha uma aparência excêntrica, vestindo o mesmo tipo de roupa, com o mesmo cabelo e a mesma atitude carinhosa com uma criança! À noite, já deitada na cama do hotel, eu chorei muito e só pude pensar no quanto aquele encontro era cruel. A minha amiga, penalizada, me perguntou se não podia ser alguma mensagem para mim. Mal-humorada e ainda chocada com o que eu tinha visto, eu só pude concluir que se o que aconteceu foi algum tipo de mensagem, deveria ser para testar o quanto falta para eu cortar os pulsos!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Maria Bonita

Enquanto ainda estava na minha barriga, D. Maricota era chamada por nós de Maria Bonita. A mãe do Sr. T chegou a bordar uma manta em ponto de cruz com o nome "Maria Bonita", mas o significado para nós estava voltado apenas para a beleza mesmo. Antes de viver no nordeste, eu acreditava que os cangaceiros eram considerados heróis pelo povo da região e fiquei surpresa quando descobri que o rei do cangaço é uma figura polêmica. Dependendo da cidade, eles podem ser vistos como heróis ou bandidos, apesar do artesanato local vender várias figuras dos cangaceiros como suvenir. Hoje eu estava lendo um artigo sobre o centenário do nascimento de Maria Bonita e descobri que ela viveu com Lampião praticamente o mesmo tempo que eu vivi com o Sr. T: menos de nove anos! Segundo o pesquisador e autor da biografia da rainha do cangaço, Maria Bonita era uma mulher corajosa, decidida, acima de tudo apaixonada pelo homem que ela decidiu seguir. É, queridos leitores, qualquer semelhança deve ser apenas mera coincidência...


# D. Maricota já está bem, a febre cedeu e desde domingo ela está se alimentando direitinho. Agora, é engordar novamente e tomar muita vitamina C para ficar mais resistente.

domingo, 5 de junho de 2011

Sushiman

Uma virose bem agressiva está deixando D. Maricota arriada em cima da cama desde a noite de quarta-feira. Estou lutando contra a febre alta, enjoos, garganta inflamada, nariz entupido e, como em todas as doenças, o quadro parece piorar de madrugada. Eu sei que é preciso esperar o ciclo da virose se completar, mas o que mais me preocupa é que ela não está comendo quase nada e como já é bem magrinha, tem perdido peso rápido nos últimos dias. Felizmente, eu a levei para almoçar na quarta no restaurante japonês preferido do Sr. T. Ela queria comer “arroz quadrado” que nada mais é do que o sushi de salmão grelhado com cream cheese e arroz. Eu sempre peço ao sushiman para preparar o “arroz quadrado” dela sem algas porque para uma criança o sabor é realmente muito marcante. Quase sempre eu sou muito bem atendida, mas há uns quinze dias atrás uma dupla nova estava no restaurante e o "sushiboy" se recusou a fazer o sushi sem alga, alegando ser impossível. Nem preciso dizer que fiquei passada e acabei levando D. Maricota para comer (arhg!) sanduíche. Na quarta-feira, o nosso sushiman de verdade estava lá e preparou um prato maravilhoso para D. Maricota com morangos lindos como enfeite. Acredito que o pessoal de apoio deve ter contado o que aconteceu para ele porque além de preparar o prato com cuidado, ele fez questão de não cobrar. Bom, se foi só uma coincidência e ninguém disse nada, eu fiz questão de contar que não tinha sido bem atendida da última vez que estive lá. D. Maricota ficou tão encantada com o prato que comeu tudinho e ainda pediu para tirar uma foto. No final da tarde, ela já estava ardendo em febre, mas com a barriguinha cheia de comida saudável. Arigatô, sushiman!