quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Pelados em Tambaba

Assim que eu vim morar no nordeste, todos os finais de semana eu e o Sr. T saíamos para conhecer uma praia diferente. Como o litoral do Estado é extenso, dava para conhecer uma praia por dia, durante meses. Parecia que eu tinha encontrado o paraíso (não estou exagerando, os cariocas a-do-ram praia), os lugares eram maravilhosos, sem muvuca, estacionamento fácil, águas limpinhas e mornas. Seixas, Coqueirinho, Praia Bela, Gramame...até que chegamos em Tambaba. Uau, uma praia de naturismo na conservadora sociedade nordestina? Eu sempre provocava o Sr. T e os nossos diálogos eram muito maduros: - Você não tem coragem de encarar uma praia de nudismo! - Eu, é claro que tenho! Por mim, andaria pelado sempre! - Rá, então eu quero ver, duvido que você tenha coragem. - Eu vou! - Não vai, eu que vou! E assim seguimos por algumas semanas, até que resolvemos ir para a prova final. Chegamos em Tambaba, enrolamos um pouco do lado "familiar" (= pessoas vestidas) e subimos a trilha para a praia. Ao chegarmos lá em cima, um sujeito forte que tomava conta da entrada perguntou se íamos mesmo tirar a roupa (você não precisa tirar a roupa antes de chegar à praia, mas se passar daquele ponto, não pode chegar do outro lado vestido). Concordamos com as orientações e descemos as escadarias até chegar à praia. Fomos logo recebidos por uma espécie de guarda de naturismo, sem roupa, mas com um crachá pendurado no pescoço (uma das imagens mais insólitas e engraçadas que já vi até hoje). Não preciso nem dizer que até aquele momento, tanto eu esperava que o Sr. T desistisse, quanto ele pensava a mesma coisa. Turrões, fomos até o fim, só para provar quem era o mais fodão na história. Andamos na praia, vimos pessoas gordas, magras, novas, velhas, bonitas, horrorosas, até crianças (vestidas)! Depois de algumas horas, murchos e desapontados com a nossa aventura da coragem e liberação do nosso self, voltamos para casa. Para vocês terem uma ideia de como ficamos traumatizados com a experiência, nunca mais tocamos no assunto ou fizemos outra tentativa de ficar livre, leve e solto na natureza. Pelo menos, não com plateia cativa!

sábado, 25 de setembro de 2010

Perguntas e escolhas

Eu já disse aqui que não existe nada de positivo na perda, mas se tem alguma coisa que estou aprendendo, é ter clareza nas minhas prioridades. Se as coisas importantes da minha vida estivessem representadas em uma pirâmide, ela agora estaria de cabeça para baixo. Trabalhei muito nos últimos quatro anos, eu tinha três empregos e saía de casa muito cedo, voltando sempre à noite. O trabalho era a minha lei, eu estava disponível sábados, domingos e feriados. Depois que emendei essa corrida frenética com o doutorado, tudo ficou pior. Agora, a minha casa é meu castelo, todas as minhas energias estão focadas em cuidar de Mariazinha e do espaço em que vivemos. O mundo continua seguindo e não faz a menor diferença o fato de eu não estar mais matando um leão por dia. Segunda-feira, ouvi a seguinte pergunta de uma colega de trabalho:


- Por que você não veio na reunião? Fulano precisava do nosso apoio, você tinha que estar lá para apoiá-lo!


Mais zen do que um monge budista diante de uma mandala, respondi:

-Fulano não precisa do meu apoio para nada. Quem precisa de apoio hoje sou eu e ainda preciso apoiar a minha filha. Por isso mesmo, não estou disponível para apoiar nada nem ninguém por um bom tempo. Não sei quanto tempo vai ser, portanto, é bom vocês se acostumarem com isso!


# Detalhe: eu não estava na tal reunião porque não era o meu dia de trabalho e Mariazinha passou o dia vomitando por causa de uma virose. Quando se tem duas pessoas para dividir a responsabilidade, é possível distribuir as crises domésticas, mas quando estamos sozinhos, é preciso fazer escolhas. Tenho certeza absoluta de que fiz a escolha certa.

domingo, 19 de setembro de 2010

Torta de maçã

Eu sempre sonhei com a torta de maçã americana clássica, a mesma dos desenhos animados (Branca de Neve, Mickey etc.), mas nunca consegui uma receita remotamente próxima do que eu via nos filmes. Tenho que confessar que o meu forte na cozinha nunca contemplou o setor de massas, pelo contrário, sou uma negação com tortas e bolos. Meus problemas acabaram quando conheci o Sr. T, pois ele tinha trabalhado a maior parte de sua infância e juventude na padaria do pai, um homem simples, mas que fazia o melhor pão que já comi na minha vida! Assim, o Sr. T dominava muito bem os mistérios das massas básicas e ele ficava sempre responsável por sovar, misturar, medir e assar todas as receitas que exigiam um especialista na área. No fim de semana passado, eu e Mariazinha nos aventuramos na cozinha para fazer biscoitos, e resolvi experimentar uma receita de torta de maçã que encontrei no blog SugarNut. Sem o apoio do meu especialista, me debrucei sobre os mistérios da massa e o resultado foi supreendentemente bom! Consegui fazer uma torta com a massa mais deliciosa da minha vida, Mariazinha fez os seus biscoitos e terminamos o fim de semana com a barriga cheia de torta de maçã com sorvete e biscoitinhos com leite. E quem ainda tem dúvida da existência de anjos na cozinha?

sábado, 18 de setembro de 2010

Em sala de aula

Tive uma semana particularmente difícil, fiquei doente, o trabalho foi puxado, me aborreci com os problemas de Mariazinha na escola e tive momentos de muita saudade (e ela também, ao mesmo tempo!). Todas as noites Mariazinha pedia que eu contasse uma "história do papai" antes de dormir e mesmo tentando manter uma atitude positiva, eu sempre chorava depois que ela dormia. O desgaste emocional foi demais, sexta-feira entrei em sala de aula e percebi que tinha trocado os slides da aula. Na aula anterior trabalhei um conteúdo antes do outro que seria correto e senti que precisava contar para as minhas alunas o que tinha acontecido. Eu não podia mais continuar mantendo o profissionalismo como se tudo estivesse bem. Sou professora, mas também sou gente! Depois de me atrasar quase 30 minutos para a aula (por causa de uma reunião) e encontrar a turma toda me esperando, percebi o meu erro na troca do material e decidi não dar nenhuma desculpa esfarrapada. Contei o que tinha acontecido, o momento difícil pelo qual estou passando e agradeci a sorte de ter uma turma tão boa. O fato de ser uma turma excelente, interessada e comprometida, me fez sentir motivada a trabalhar melhor e isso foi muito bom para manter a minha estrutura firme. Minha gente, eu fiquei impressionada com o que aconteceu: a turma inteira chorou junto comigo! Algumas alunas tiveram que sair da sala para se recompor e eu ali, firme, lutando para chegar até o fim. Parecia uma novela mexicana e eu era a própria Maria do Bairro... Apesar da tristeza e do desgaste emocional, eu me senti muito melhor por ter sido honesta com elas. Apresentei o material correto, mostrei um filme interessante e encerrei a aula bem mais leve. Refletindo depois, percebi que é neste tipo de educação em que eu acredito e se perdi a armadura de intocável, ganhei o carinho e o apoio de um grupo que considero de excelência dentro do curso.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Uma menina chamada Sofia

Mariazinha não queria ir à escola, inventava mil desculpas e eu fiz corpo mole pensando que ela estava com dificuldades em superar a perda do pai. Semana passada descobri que o motivo era outro: uma menina da sala dela está enciumada (provavelmente pelo excesso de atenção que ela vem recebendo nas últimas semanas) e resolveu sair no braço para extravasar a sua irritação. A menina é mesmo problemática, no final do ano passado quase foi convidada a não se matricular novamente, mas como a escola é zen e alternativa, resolveram trabalhar a agressividade da menina. Mariazinha sempre dizia que Sofia batia em todo mundo, mas quando perguntávamos se batia nela também, ela respondia: - Ela não me bate porque eu corro muito! Parece que correr não tem adiantado e a coisa tomou uma proporção tão grande que se ela entrar na escola e a menina estiver lá, ela não quer ficar. Ontem, ao buscar Mariazinha na escola, vi quando a menina partiu para cima dela com o corpanzil avantajado. Mariazinha se encolheu e correu na direção da professora, assustada. Olha, se não fosse a minha formação em educação pós-moderna, a minha coleção de diplomas, o respeito à diversidade e a compreensão infinita da natureza humana, eu teria dado um chilique!!! Mesmo sendo fina e tentando manter a calma, conversei com Mariazinha (na frente da professora) dizendo que se Sofia batesse nela novamente, ela deveria enfrentar a menina e avisar à professora. Esse foi o discurso direto, mas o discurso oculto pode ser resumido na seguinte frase: se for agredida novamente, encha a cara dessa menina de sopapos!!!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Riiiiooo de Janeiro!

Alguns meses depois de nos conhecermos, o Sr. T veio me visitar no Rio de Janeiro. Eu queria muito que ele conhecesse os lugares e os passeios que eu amava, como flanear no centro do Rio, andar nas barcas, ir ao Centro Cultural Banco do Brasil, enfim, as coisas que só quem mora no Rio consegue entender. O primeiro choque cultural foi a chegada ao aeroporto, já que o Galeão é um mundo. Como eu não sabia por qual companhia aérea ele tinha viajado, perguntei ao celular: - Onde você está? Ele respondeu surpreso: - No desembarque, oras! Eu insisti: - Mas em qual desembarque? Em qual terminal você está? A resposta: - Não faço a menor ideia... Se vocês conhecessem o aeroporto de João Pessoa, entenderiam a confusão do Sr.T. O aeroporto (que foi reformado recentemente) parecia uma rodoviária, era todo aberto com apenas uma sala de embarque e outra de desembarque. Dava para ver os passageiros se acomodando dentro do avião e quando você se aproximava do aeroporto, conseguia saber se o voo já tinha aterrisado ou não, porque era possível visualizar todas as aeronoves no pátio (não mudou muita coisa, mas agora temos granito e vidros em tons de verde para embelezar o ambiente...). Vencido o primeiro round, levei o Sr. T para conhecer o Rio de Janeiro, principalmente o centro do Rio. Todos os flanelinhas, malandros e figuras pouco recomendáveis das ruas cumprimentavam o Sr. T, de forma ostensiva ou discreta. O visual dele era uma espécie de salvo-conduto por aqui... Eu o levei para almoçar no meu restaurante favorito, um lugar especializado em saladas na rua da Assembleia, quase em frente ao Lidador. Segundo o Sr. T, ele ficou encantado com a variedade de saladas, porque se o buffet de verduras era bom assim, imagine a parte de carnes! É claro que ao chegar na parte das carnes o máximo que ele conseguiu encontrar foi uma torta de frango ou filé de frango grelhado. Ele dizia que tinha sido a folha de alface mais cara que ele comeu na vida! Mas o ponto alto do nosso passeio foi a saída do restaurante, na hora de pagar a conta no caixa. O gerente olhou para o Sr. T, abriu um sorrisão e disse: - Estou te reconhecendo! É uma honra você por aqui! Todo mundo que estava na fila olhou para a gente e muito sem graça o Sr. T disse: - Você deve estar me confundindo com alguém... E o gerente insistiu: - Nada disso, eu sou muito bom fisionomista. É você mesmo! Eu sei quem você é! Já desistindo, o Sr. T respondeu: - Tá certo! Diz aí, quem sou eu? E o gerente radiante: - O tocador de sanfona do grupo que tocou na nossa festa de final de ano! Eu quase tive um troço de tanto rir... Mais tarde, já em casa, o Sr. T me pergunta: - Mas tinha que ser tocador de sanfona? Deve estar escrito na minha testa que sou nordestino! Por que ele não me confundiu com um saxofonista ou com um percusionista? E olha que isso foi só o começo da nossa aventura a dois...

sábado, 11 de setembro de 2010

Bastardos Inglórios

O filme do Tarantino foi o último que assisti junto com o Sr. T. Eu fiquei com vontade de ver o filme depois que li a crítica no blog da Lola (ela fez uns dois ou três posts sobre Bastardos Inglórios) e o Sr. T chegou com o filme em casa para assistirmos no meio-feriado proporcionado pelo jogo do Brasil na Copa. Nós sempre tínhamos coincidências assim, eu queria comer uma coisa, ele adivinhava, eu lia um livro e ele estava interessado porque ouviu falar sobre ele no trabalho. Bom, voltando aos Bastardos, nós adoramos o filme! Só o Taranta mesmo para criar algo inusitado na história mais batida da indústria cinematográfica. As atuações magistrais ajudam muito, mas o final é fantástico. Decidimos pelo vilão Coronel Landa, como o nosso ator/personagem favorito, ele é impressionante... Claro que o Sr. T adivinhou o final, ele sempre fazia isso e detalhava os links na construção de roteiro. Coisa de escritor... Foi uma pena que a cópia do nosso filme estivesse com defeito, tivemos que assistir a opção dublada e o gancho do filme está relacionado com os sotaques dos personagens (tanto que o Tarantino escalou somente atores nativos para os papeis, alemão falando alemão, americano falando inglês etc.). Gostamos tanto da história que ficamos decepcionados com a limitação da dublagem e combinamos que veríamos o filme de novo no fim de semana seguinte. Fizemos planos e combinamos coisas porque naquele momento ainda acreditávamos que existia o futuro. No dia seguinte ele foi internado, nosso mundo se desfez e acho que nunca mais vou conseguir ver Bastardos Inglórios novamente...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nem tudo está normal

- Filha, me dá um beijinho...
- Não!
- Poxa, mas mamãe ama tanto você... Só um beijo!
- Não, mamãe! Não quero, estou ocupada desenhando.
- Ah... Então eu vou embora para outra casa, procurar uma filha que me dê muitos beijinhos!

Ela larga o desenho e vem correndo em minha direção, visivelmente angustiada:
- Não pode! Se você for embora, quem vai cuidar de mim? Eu vou ficar sem pai e sem mãe, é?
- (...) Desculpa filha, mamãe não vai embora, não. Eu estava só brincando. Mamãe te ama, tá?
- Tá!

Lembrete para a mãe tosca que pensa que tudo está normal: riscar essa brincadeira idiota do repertório, URGENTE!!!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ansiedade e medo

Não posso ser considerada uma pessoa medrosa, pelo contrário, os desafios da vida sempre me exigiram envergar, mas sem quebrar. Nos últimos quatro anos trabalhei em uma cidade distante da minha casa, o que me fazia enfrentar sozinha uma viagem de duas horas na estrada. A volta era quase sempre depois das 20 horas e eu não fazia isso por falta de juízo, era mesmo uma necessidade. O trabalho me exigiu muitas viagens, de avião, de carro, de ônibus, para lugares simples e complicados. Mesmo assim, continuei enfrentando os desafios com tranquilidade. O curioso é que mesmo mudando de emprego, de cidade ou de função, os desafios eram sempre os mesmos, como um carma que precisava ser superado. As exigências da sala de aula sempre foram um alento na minha vida, eu simplesmente adoro estar com os meus alunos, faço isso desde que eu tinha seis anos de idade (meu irmão que o diga, coitado!). Exatamente por isso tudo que estou contando é que não me reconheci no começo deste semestre. No primeiro dia da minha volta ao trabalho peguei uma chuva torrencial, que fez a cidade inundar. Enquanto a água subia do lado de fora do carro, eu entrei em pânico. Só conseguia pensar no que eu faria se o carro quebrasse. Para quem eu iria ligar? Quem iria me socorrer? Entrei na minha sala aos prantos, desmoronando em uma crise de ansiedade sem fim. Na semana seguinte, minha primeira aula. Todos os semestres quando chega ao final da primeira aula, os alunos me perguntam de onde eu sou por causa do sotaque e eu sempre contava a mesma história: eu vim morar no nordeste porque me apaixonei por um paraibano, que era uma história de amor, blá,blá... As alunas adoravam a história, a empatia era imediata e sempre era muito divertido. Agora, foi a primeira vez que respondi secamente ao ouvir a pergunta de sempre: - Eu vim do Rio. O programa da disciplina está na copiadora do térreo. Não fui grosseira, é claro, mas fui seca e cortei o assunto para não desmoronar. Mesmo assim, saí da sala gelada, com as mãos molhadas e o corpo tremendo. Um medo enorme de não ser a mesma pessoa, de não conseguir ser generosa e boa com as pessoas novamente. Tem horas que a dor é tão aguda que você quer gritar com as pessoas que reclamam das coisas banais, como o atraso de alguém ou a falta de um aviso na porta. Felizmente, a ansiedade diminuiu e tenho conseguido ser quase a mesma professora com os meus alunos. Talvez com um pouco menos de brilho e entusiasmo. Envergando novamente, sem quebrar...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Salada x colesterol

Como todas as pessoas que perdem uma pessoa querida de algum mal súbito, eu também fui ao médico e fiz todos os exames possíveis. Descobri algumas coisas pequenas (mas que exigem tratamento) e o que mais me incomodou foi o nível elevado de colesterol. Desde o resultado do exame tenho feito um esforço para comer menos e melhor. Não que a minha alimentação não seja saudável, estou apenas transformado-a em incrivelmente saudável. Se eu não ficar verde e desnutrida, serei uma planta, digo, uma pessoa muito mais saudável... Até o ano passado, o Sr. T tinha uma alimentação razoavelmente balanceada. Pouca carne vermelha, quase nenhuma fritura e um pouco de comida japonesa. Lamentavelmente, ele perdeu o pai no ano passado, vítima de um câncer de estômago. O pai do Sr. T sucumbiu enfraquecido pela quimioterapia e desnutrição. Desde então, o Sr. T passou a exagerar na alimentação, comendo muito mais sal do que deveria e consumindo alguns alimentos que não poderiam ser classificados como saudáveis. Em nossas conversas, ele dizia que ter acompanhado a doença do pai o fez encarar a questão da alimentação de outra forma, como ele tinha boa saúde, deveria aproveitar melhor e comer as coisas que gostava. Claro que foi uma decisão emocionalmente acertada, embora desastrosa do ponto de vista da saúde, mas nunca, eu repito, nunca em nossas consultas médicas com os cardiologistas, eu ouvi qualquer determinação de restrição alimentar. Os médicos receitavam os remédios para hipertensão crônica e sugeriam uma nova visita dentro de seis meses. Até ele ser internado, eu nunca tinha ouvido falar em hipertensão maligna e sequer sabia que um quadro de hipertensão crônica poderia evoluir para uma situação crítica. Não é possível dizer que foi a alimentação que desencadeou o descontrole da pressão arterial, é muito fácil (e perigoso) fazer conjecturas agora. Como já dizia Sartre, "se" é uma palavra de suas letras, sinônimo de inutilidade... Apesar disso, não posso fugir da responsabilidade de que Mariazinha só conta comigo agora. Portanto, se comer salada poderá ajudar a manter a minha saúde em dia, estou disposta a virar herbívora. Ou uma planta!

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Diários de motocicleta

Pode parecer que algumas histórias que eu conto aqui são uma versão exagerada dos fatos, mas posso garantir que aconteceram assim mesmo. A vida com o sr. T não tinha nada de monótona...Logo depois do nascimento de Mariazinha, assistimos ao filme Diários de Motocicleta e o Sr. T decidiu que iria fazer uma viagem de moto com ela assim que ela completasse quinze anos. E não era uma moto qualquer, ele queria algo do tipo Harley Davidson! Não, prezado leitor, não reclame com a mensageira, é óbvio que eu pensei que era apenas uma maluquice passageira... Os anos foram passando e volta e meia ele retomava a história da viagem, e eu sempre cortando: - Mas você tem catarata! - Eu vou operar, respondia ele. Eu insistia: - Mas você tem dores nas costas, como vai aguentar passar horas em cima de uma moto? - Por isso mesmo estou fazendo pilates, era a resposta. Durante um bom tempo ele não falou mais no assunto, mas cerca de uma semana antes de morrer, ele chegou em casa do trabalho e sentou no sofá com Mariazinha. Eu estava na cozinha e ouvia a conversa dos dois. - Você gosta desta aqui? perguntava ele. - Eu gosto, ela é brilhante! respondia ela. Quando eu sentei junto com eles, vi que os dois estavam estudando um folheto de propaganda com vários modelos de moto. - Meu Deus, você ainda não desistiu dessa ideia maluca? Já se deu conta que quando ela estiver com quinze anos você vai estar com sessenta e dois? Caia na real, pelo andar da carruagem você vai estar gagá até lá! Ele continuou rindo e nem me deu bola, do mesmo jeito que fazia quando eu estava grávida e ele dizia para todo mundo que se fosse um menino, iria se chamar Ptolomeu Petrônio... Semana passada, dei uma carona para a minha sogra e durante o caminho ela me contou que o Sr. T tinha pedido aulas para dirigir a moto do sobrinho! Eu quase subi na calçada ao ouvir essa história e fiquei pensando se ele realmente seria capaz de colocar o plano em prática... Afinal, ele já tinha uma comparsa, procurava as aulas e estudava o preço das motos. Olha, nós nunca tivemos uma briga séria, mas diante desse quadro, não tenho a menor dúvida de que nós dois iríamos parar nas páginas policiais! Nem acredito que perdi a oportunidade de protagonizar o barraco do século...


# Tá certo, estou exagerando, o máximo onde iríamos parar seria no Conselho Tutelar e eu levaria a pior porque todo mundo conhecia ele por aqui...

domingo, 5 de setembro de 2010

Vejo flores em você!

A reestruturação do cotidiano leva tempo para se consolidar, é um processo de adaptação lento e doloroso. Comprar menos comida, por exemplo, porque sempre sobra o que o outro comia com mais frequência e falta o que ele costumava comprar. A quantidade de café é um duelo diário, afinal, como fazer café para uma pessoa só sem que fique ralo demais ou forte como café de bêbado? A casa definitivamente está mais organizada, o Sr. T era quase um caso de polícia quando o assunto era arrumação. Agora, nada de papelada em cima da mesa, roupas espalhadas e sapatos jogados pela casa. É, a casa está mais arrumada (sonho de qualquer amiga dona-de-casa), mas é uma casa triste. Os finais de semana sempre são mais complicados, é impossível não perceber a ausência dele. Durante a semana a vida é corrida, aulas, reuniões, contas para pagar, mas nos finais de semana a ficha cai com força. A nossa rotina nos finais de semana era sempre a mesma: acordar mais tarde e decidir o que fazer, podia ser uma visita, um cinema, uma volta no shopping, ir para cozinha fazer um almoço especial... Programas básicos, sem nada de especial e que envolviam, essencialmente, estarmos juntos. Hoje encontrei uma supresa na varanda do apartamento. Quando a nossa filha nasceu há cinco anos atrás, compramos algumas plantas para colocar na varanda do apartamento, simulando uma espécie de jardim. Uma delas é uma espécie de lírio branco que floresceu apenas duas vezes durante esses cinco anos, mas hoje (!) desabrocharam duas flores lindas (sim, são as flores da foto). Podem me chamar de romântica, mas não pude deixar de imaginar que elas formavam um casal e na mesma hora lembrei da música do Ira! Se as flores fossem um recado do Sr. T para que eu acredite que tudo vai ficar bem, não poderia ter feito meu coração ficar mais feliz!


De todo o meu passado
Boas e más recordações
Quero viver meu presente
E lembrar tudo depois...

Nessa vida passageira
Eu sou eu, você é você
Isso é o que mais me agrada
Isso é o que me faz dizer...

Que vejo flores em você!...

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Sobre política

A esta altura do campeonato, na véspera da eleição, as discussões já estariam pegando fogo aqui em casa. O Sr. T amava a política (apesar da política não gostar tanto assim dele) e já tinha exercido alguns cargos no legislativo e no executivo pelo Partido dos Trabalhadores. Ah, o PT... Além de acreditar na política enquanto exercício da democracia, ele era completamente apaixonado pelo PT. Ele tinha fotos ao lado de Lula (provavelmente do período jurássico, eu acho), com Cristovam Buarque, José Dirceu e outros tantos. Eu sempre implicava, e fulano, você conhece fulano? E Beltrano, se você o encontrar, ele te cumprimenta? Ele sempre modesto dizia, talvez, provavelmente, não tenho certeza, mas que ele me conhece, conhece! É claro que eu sempre duvidava, até que um dia, caminhando na praia, um senhor parou para falar com ele de forma bem camarada. Era o Senador C. e fiquei espantada com a cordialidade do sujeito, que sequer pertencia aos quadros do PT, e sim ao partido adversário! Depois desse dia, parei de duvidar do Sr. T... Eu morria de rir com as histórias que ele contava sobre as brigas nas reuniões do partido. Segundo ele, quando um grupo percebia que ia perder uma votação importante, começava o quebra-quebra para criar um tumulto infernal e suspender a reunião. Aliás, as reuniões eram um capítulo à parte, existia a reunião para falar sobre a reunião que tinha acontecido, a reunião para falar da reunião que analisou a reunião principal e assim sucessivamente. Mulheres ciumentas não devem se relacionar com petistas, eles não tem hora para invadir a sua casa e estender uma conversa chatérrima até a madrugada. Quando eu estava indignada com alguma aliança espúria, ele filosofava: Em política, a roda grande passa dentro da roda pequena... Eu esbravejava: Como assim? Quer dizer que vale tudo? E ele respondia elegante e romântico: Política é a arte de aproximar os inimigos. Se são amigos, não precisariam da política, certo? Aliás, é preciso registrar que o Sr. T previu a aliança maluca do PSB com o PSDB aqui no Estado com bastante antecedência, sempre dizendo que não iria funcionar (no presente momento, o candidato da estranha aliança deve perder logo no primeiro turno). Com a política na pauta do dia, passo os dias olhando para as paredes e sentindo uma falta imensa do meu interlocutor. Quando você sente falta até das discussões, está bem perto de começar a questionar a sua própria sanidade...