quarta-feira, 25 de março de 2015

Em câmera lenta

Aparentemente, viver a vida intensamente significa possuir uma agenda lotada e frenética com diversos compromissos distribuídos na companhia de 450 amigos. Ou ter um emprego dos sonhos, com muito poder, viagens e um salário polpudo que permita mais diversão, viagens e muito lazer. A pegadinha é que as duas coisas são incompatíveis. Quando se tem um trabalho com um cargo alto e cheio de responsabilidades, o trabalho é contínuo e invade os finais de semana, as férias e qualquer tentativa/ameaça de descanso. O peso da responsabilidade e a carga-horária são tão grandes que os poucos momentos livres são utilizados para dormir tudo o que não foi possível durante a semana. O contraponto de uma vida intensa é aquela na qual as pessoas se recusam a viver e passam os dias enclausuradas dentro de casa encontrando conforto nos programas de televisão, se recusando a receber visitas ou a sair para visitar alguém. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, posso dizer que o meu relógio interno mudou. Além das questões existenciais óbvias que colocamos em pauta quando perdemos alguém (a vida é curta, é preciso não adiar as coisas etc), a reflexão sobre a própria trajetória até aquele momento fatídico pode servir como uma catapulta para o mundo. Ao priorizar estar com as pessoas e realizar sonhos e projetos antigos, o mundo passou a se mover em câmera lenta para mim, enquanto as minhas memórias com o Sr. T aparecem em preto e branco como em um filme antigo. Hoje tudo é demorado, lento, como se as relações e ações fossem esculpidas lentamente. Não interrompo a conversa, não tenho pressa em concluir, não tenho pressa em chegar e muito menos em sair. Eu que era capaz de tocar quatro ou cinco projetos ao mesmo tempo, mal consigo dar conta hoje de um! Quero a liberdade de me enrolar no meu cobertor quando eu estiver cansada ou infeliz e sair explorando Recife por aí com as pessoas que são muito queridas. A única condição é que nada, absolutamente nada, será vivido com superficialidade ou pressa. Sou capaz de reproduzir cada diálogo de um almoço com os amigos, descrever cada detalhe da paisagem de um lugar novo que conheci ou contar em detalhes a história que já me foi contada por outra pessoa. A pressa não é inimiga da perfeição, é inimiga das vivências, das experiências e da possibilidade de desfrutar os momentos. Em troca, recebemos (e vivenciamos!) o calor humano, o calor das pessoas, o calor do carinho e do afeto. Quando se experimenta o vazio e o frio insuportável da perda, cada calor recebido nas trocas afetivas é intenso e abençoado todos os dias!

sábado, 21 de março de 2015

"Viver é se despedir um pouco de nós mesmos"

O título da postagem é de um texto que li hoje. O texto nos compara ao Fênix que precisa ser consumido pelo fogo para renascer das cinzas. A autora afirma que a nossa vida é feita de pequenas mortes contínuas, as pancadas que recebemos da vida nos derrubam para que possamos começar tudo novamente. É uma perspectiva interessante, mas se o sofrimento é inerente ao crescimento e ao ciclo da vida, precisamos repensar o que é a tal de felicidade... Eu já disse aqui no blog que muitas pessoas não vivem, elas apenas sobrevivem e passam a vida toda muito atentas para evitar qualquer tipo de sofrimento. São pessoas que acreditam que tem o controle de tudo e que é possível desenhar o futuro. Não podemos confundir planos com controle, os planos estão relacionados com os sonhos, com as aspirações, com a esperança e o desejo de construir o futuro. Já o controle pressupõe o envolvimento superficial com as pessoas e a capacidade de prever (e determinar) o comportamento de todos que fazem parte da nossa vida. Lidar com os percalços da vida exige muito mais do que um couro duro e determinação, depende do nosso caráter e da nossa atitude diante das dificuldades. Se enfrentamos tudo com serenidade e coragem, o destino certamente nos reservará algo melhor. Se nos revoltamos contra os obstáculos e não reconhecemos a nossa responsabilidade sobre o nosso próprio futuro, andaremos em círculos por muito tempo até aprender. O fato é que não temos mesmo opção: quando a vida nos tira o controle de tudo, talvez, apenas talvez, seja o momento certo para começar a fazer planos!

"Quando a alegria decorrer em tristeza, quando a leveza se transformar em pesar, é o momento de desprender-se outra vez. E outra, e outra, e outra. Quantas forem necessárias. Em busca da felicidade vamos, endurecendo-nos, mas sem perder a ternura. Jamais". (Karen Curi)

domingo, 8 de março de 2015

A vida que eu não vivi

Conheço duas mulheres que estão se aproximando dos 70 anos e cada uma lida com o seu momento atual de forma diferente. Uma considera que sua trajetória se não foi ideal, foi satisfatória e já começa a contar o tempo que tem hoje como um bônus da vida. Esconde a sua frustração na diversão e busca minimizar o sofrimento do passado com a certeza de ter aproveitado os bons momentos que a vida proporcionou, não há lugar para arrependimentos. A outra é inconformada com a sua história e com os desdobramentos dela. Viveu para a família e isso foi tirado dela de alguma forma. O pouco que sobrou não é suficiente ou não se compara ao que ela teve um dia e isso afeta a sua percepção do presente. As duas não foram felizes e penso que a grande diferença entre elas está na forma como elas acomodaram a sua tristeza: uma a acolheu filosoficamente e acomodou os seus sentimentos ao que foi possível construir, a outra transformou a sua tristeza em um fardo tão terrível que ele já ameaça a sua saúde e sua sanidade. O fato é que beirando os 70 anos, não existe mais uma possibilidade de recomeço, de novas tentativas, de reescrever a sua história. A história está em muitos aspectos concluída e os espaços para um futuro diferente ou uma esperança morna são cada vez mais escassos. Descubro agora que esse é verdadeiro terror ao envelhecer, não existe mais uma vida pela frente! Como o futuro é mais do mesmo, somos obrigados a olhar para trás, lamentar pelos erros e nos gabar das nossas realizações. Porém, se temos muitas frustrações, contas que não foram acertadas, perdas irremediáveis e nenhuma lembrança que nos traga felicidade, a existência pode se tornar insuportável e pouco pode ser feito. O desapego do passado e das vidas que não vivemos é um exercício fundamental para encontrar a paz e a tranquilidade. Afinal, se não é possível mudar o passado, podemos pelo menos escolher a melhor forma de conviver com ele no presente e no futuro.