terça-feira, 23 de setembro de 2014

Quando o trabalho salva

Nunca passou pela minha cabeça não trabalhar. O trabalho sempre foi um elemento essencial na minha vida, eu sempre tive projetos, metas, sonhos e o trabalho era o centro disso tudo. Uma vez li um livro em que a protagonista dizia que vivia o melhor momento da sua vida: dirigia uma grande empresa, estava casada com o homem que amava e ia ter um filho dele. Segundo o narrador, se existia alguma ironia na ordem dos motivos da sua felicidade, ela não percebia. Não cheguei a tanto, mas houve um momento da minha vida em que o trabalho serviu como um fator essencial para que eu mantivesse o foco. Ter que levantar pela manhã, vestir algo decente e interagir com outras pessoas foi a diferença entre manter a sanidade ou sucumbir diante da loucura. Porque existem dores inimagináveis, daquelas que destroçam a alma e você pensa que não vai mais respirar, andar ou falar. É preciso ficar anestesiado para suportar, mas o problema é que a anestesia metafórica é igual a real, você não sente nada: nem dor, nem prazer, nem tristeza, nem felicidade... Se esse nem-nem se prolongar por muito tempo, a pessoa pode não voltar ao que era antes. Ou ao que já foi um dia. Sei lá. Eu trabalhei 14 horas por dia, cinco dias por semana porque reservei os fins de semana para estar com a minha filha. O resto era só trabalho, aceitei mais orientações do que o recomendado, me embrenhei em projetos de pesquisa, li mais livros e corrigi mais trabalhos do que em todos os anos anteriores. O trabalho era o meu norte, o meu ponto de equilibrium... Meu currículo bombou, em menos de quatro anos eu tinha um currículo tão respeitável quanto os meus colegas com muitos anos de trabalho. Meu Deus, mas a que preço... Com o passar do tempo, a dor foi diminuindo e eu pude me permitir momentos repletos de ócio. Momentos para sonhar, pensar, refletir... Momentos esses que poderiam ser enfrentados sem medo. Parei tudo e fiz o famoso "freio de arrumação" como diz o pessoal de TI. Estabeleci as prioridades na minha vida e percebi que o tempo é curto demais. Organizei mentalmente a linha do tempo da minha vida e revirei os álbuns de fotos antigas. Percebi que havia pouca coisa para relembrar e resolvi colocar o trabalho no lugar dele. Repetindo o clichê, eu não queria viver para trabalhar, mas trabalhar para viver. Atualmente, o trabalho é uma parte da minha vida, mas não é a mais importante e muito menos a essencial. Todo mundo deveria ter uma ocupação na vida, mas ninguém deveria ser escravo de suas obrigações. Ter um trabalho pode evitar alguém de enlouquecer, mas fazer do trabalho ou do dinheiro o centro da própria vida pode fazer a loucura pegar um atalho e chegar mais rápido até você.

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